Reforma tributária compromete saneamento

Este artigo apresenta uma análise técnica, porém de fácil entendimento, sobre como a reforma tributária pode influenciar diretamente o saneamento no Brasil. O objetivo é oferecer subsídios claros e objetivos para profissionais do setor avaliarem riscos, impactos e medidas mitigadoras, mantendo o foco na universalização do saneamento com modicidade tarifária e sustentabilidade econômico-financeira.

A reforma tributária foi concebida para simplificar tributos e reduzir distorções, mas seus efeitos colaterais sobre o saneamento não podem ser ignorados. Em setores intensivos em capital e com receitas reguladas, qualquer aumento de carga tributária, ainda que incremental, tende a repercutir em tarifas, planejamento de obras e capacidade de investimento. Portanto, compreender a interação entre a reforma e o saneamento é essencial para preservar metas, qualidade do serviço e eficiência operacional.

Contexto legal e metas do saneamento

O Marco Legal do saneamento estabeleceu metas ambiciosas: atendimento de água potável para a quase totalidade da população e expansão significativa da coleta e do tratamento de esgoto. Para alcançar tais objetivos, o saneamento depende de contratos equilibrados, regulação previsível, financiamento de longo prazo e ambiente tributário coerente com a prestação de um serviço essencial. Assim, qualquer mudança tributária relevante precisa ser acompanhada de salvaguardas para não comprometer a universalização do saneamento.

Principais mudanças e efeitos esperados para o saneamento

Com a unificação de tributos sobre bens e serviços, discute-se a migração para um regime no qual as alíquotas tendem a ser uniformes, reduzindo tratamentos setoriais específicos. No saneamento, isso pode significar a perda de regimes mais favoráveis, pressionando custos operacionais e de capital. Além disso, a base tributável mais ampla e a menor possibilidade de cumulatividade podem reconfigurar o fluxo de caixa das prestadoras de saneamento, alterando cronogramas de investimento, gestão de estoque de materiais e estratégias de contratação de obras e serviços.

Outro ponto sensível é a repercussão econômica nas tarifas. Em um serviço público cuja modicidade é princípio regulatório, o saneamento não pode simplesmente absorver aumentos tributários sem reequilíbrios contratuais. Caso não haja mecanismos de mitigação, é provável que a trajetória tarifária seja pressionada, com reflexos sobre a capacidade de pagamento dos usuários, sobretudo nas localidades mais vulneráveis.

Riscos práticos para operações e contratos de saneamento

Do ponto de vista operacional, a elevação de custos tende a reduzir margens e reservas para manutenção preventiva e corretiva, peças e equipamentos, energia, reagentes e logística. No âmbito contratual, o saneamento pode demandar revisões extraordinárias para preservar o equilíbrio econômico-financeiro, pois os impactos tributários não previstos podem alterar o binômio tarifa–investimento. Ademais, a insegurança quanto à regulamentação final da reforma pode postergar decisões de investimento em saneamento, atrasando obras estruturantes e metas de universalização.

Em paralelo, o saneamento enfrenta um desafio adicional: evitar o aumento das desigualdades regionais. Municípios com baixa capacidade fiscal e demanda dispersa podem sofrer mais, pois o custo por ligação tende a ser superior. Sem um desenho fiscal que reconheça a essencialidade do saneamento, o risco de postergação de projetos em áreas periféricas ou rurais se amplia.

Medidas mitigadoras para proteger o saneamento

Para reduzir riscos, algumas medidas podem ser consideradas:

  • Tratamento tributário diferenciado: reconhecer a essencialidade do saneamento, com alíquotas reduzidas e regimes específicos que preservem a modicidade tarifária e a continuidade do serviço.
  • Reequilíbrios e regras claras: garantir, por regulação, a possibilidade de revisões quando a reforma alterar significativamente a estrutura de custos do saneamento.
  • Subsídios e fundos voltados ao saneamento: utilizar instrumentos orçamentários e financeiros para amortecer impactos em municípios de baixa renda, evitando retrocessos na universalização do saneamento.
  • Prioridade a eficiência: acelerar programas de redução de perdas, automação, telemetria e inteligência operacional, para compensar parte da pressão de custos no saneamento.
  • Transparência e previsibilidade: assegurar regulamentação detalhada, com participação técnica do setor, para oferecer segurança jurídica e atratividade a investimentos em saneamento.

Implicações para financiamento e modicidade tarifária no saneamento

O saneamento depende de fluxos estáveis e previsíveis para acessar crédito de longo prazo, estruturar PPPs e atrair capital privado. Um ambiente tributário que aumente volatilidade ou custos sem contrapartidas dificulta a bancabilidade de projetos. Por isso, além de mitigações fiscais, é desejável combinar instrumentos financeiros (garantias, fundos de desenvolvimento, debêntures incentivadas) com políticas tarifárias que preservem a capacidade de pagamento dos usuários, especialmente os beneficiários da tarifa social no saneamento.

Conclusão

Em síntese, a reforma tributária, sem salvaguardas, tende a impor desafios à universalização do saneamento, ao equilíbrio de contratos e à modicidade tarifária. Todavia, com tratamento diferenciado, regras de reequilíbrio bem definidas, subsídios focalizados e ganhos contínuos de eficiência, é possível neutralizar parte dos efeitos adversos e manter o cronograma de obras e investimentos em saneamento. A trajetória sustentável do saneamento requer um arcabouço tributário compatível com a natureza essencial do serviço e com as metas legais estabelecidas.

FONTES

  • Artigo: Reforma tributária: um passo atrás na universalização do saneamento básico no Brasil? — Jurinews: https://jurinews.com.br/artigos/reforma-tributaria-um-passo-atras-na-universalizacao-do-saneamento-basico-no-brasil/
  • Estudos e análises setoriais sobre impactos tributários no saneamento — FGV IBRE (PDF): https://ibre.fgv.br/sites/ibre.fgv.br/files/arquivos/u65/01ce2025_neuri_freitas.pdf
  • Análises jurídicas e regulatórias sobre reforma tributária e saneamento — Justen: https://justen.com.br/artigo_pdf_est_2adv_/a-reforma-tributaria-e-o-futuro-do-saneamento-basico/
  • Notas e posicionamentos de entidades do setor de saneamento — ABCON/SINDCON: https://abconsindcon.com.br/
  • Conteúdo sobre metas de universalização e regulação do setor — Senado Federal: https://www12.senado.leg.br/