Soluções para o chorume

O saneamento encara um dos maiores desafios ambientais da gestão de resíduos: o monitoramento e o tratamento do chorume gerado em aterros sanitários. Esse efluente altamente poluente, rico em matéria orgânica, sais, metais e microcontaminantes, pode afetar solo, águas superficiais e aquíferos. Portanto, para além da conformidade legal, o saneamento precisa de soluções tecnológicas que unam eficiência, segurança e custo viável em escala operacional. Ainda assim, persiste a polêmica: até que ponto recirculação, osmose reversa e wetlands construídos entregam resultados consistentes em larga escala, e quando o reuso do chorume tratado é realmente seguro?

Chorume: por que é um problema crítico para o saneamento?

O chorume resulta da percolação de água pela massa de resíduos e da própria decomposição orgânica. Em cenários de chuva intensa, a geração se amplia e a variabilidade da carga aumenta. Assim, o saneamento precisa lidar com flutuações de vazão e composição (DQO/DBO, amônia, metais, PFAS e outros micropoluentes), o que exige monitoramento contínuo (pH, condutividade, amônia, vazão) e planos de contingência. Além disso, a destinação do concentrado e dos lodos é tão estratégica quanto o tratamento do efluente principal.

Tecnologias aplicadas no tratamento do chorume

Abaixo, um panorama comparativo das soluções mais usuais no saneamento, considerando funcionamento, desempenho típico, vantagens, limitações e uma visão relativa de custos (CAPEX/OPEX). Os valores são indicativos e variam por escala, dólar, energia e logística.

1) Recirculação no próprio aterro
Como funciona: parte do chorume, após pré-tratamento (equalização, peneiramento, às vezes aeração), é reinjetada em drenos/poços para acelerar a degradação anaeróbia e promover co-metabolismo.
Desempenho: ajuda a reduzir DBO/DQO ao longo do tempo; efeito significativo na estabilização da massa de resíduos.
Vantagens: CAPEX baixo; OPEX baixo a médio; reduz transporte externo; aproveita a bioatividade do aterro.
Limitações: risco de recirculação de contaminantes persistentes; controle de odores e gases; exige impermeabilização robusta e monitoramento piezométrico rigoroso.
Custo relativo: Baixo CAPEX / Baixo–Médio OPEX.
Aplicabilidade: aterros de pequeno a médio porte; útil como etapa dentro de um arranjo híbrido.

2) Osmose reversa (OR) e arranjos de membranas
Como funciona: pressão força a passagem da água por membranas semipermeáveis, retendo sais, matéria orgânica, amônia e microcontaminantes. Comum integrar UF/NF como pré-polimento.
Desempenho: elevada remoção de DQO, cor, turbidez, amônia e metais; gera permeado de alta qualidade e um concentrado que requer destinação segura.
Vantagens: elevada eficiência; atende padrões rigorosos; footprint relativamente compacto.
Limitações: CAPEX e OPEX altos; consumo elétrico relevante; sensível a incrustações e fouling; demanda pré-tratamento estável; gestão complexa do concentrado.
Custo relativo: Alto CAPEX / Alto OPEX.
Aplicabilidade: grandes centros; aterros com alta vazão; quando se busca efluente de melhor qualidade para reúso ou descarte estrito.

3) Wetlands construídos (leitos plantados)
Como funciona: leitos com substrato e macrófitas (vertical/horizontal) promovem remoções por filtração, adsorção e biodegradação aeróbia/anaeróbia; geralmente combinados a etapas físico-químicas/biológicas anteriores.
Desempenho: bons resultados em DBO/DQO, sólidos e nutrientes quando bem dimensionados; desempenho sazonal e sensível a choques de carga.
Vantagens: baixa demanda energética; operação simples; benefícios paisagísticos; pode polir efluentes de sistemas biológicos.
Limitações: necessidade de grandes áreas; eficiência limitada para micropoluentes persistentes; manutenção botânica; menor robustez para grandes vazões.
Custo relativo: Médio CAPEX (área e obra civil) / Baixo OPEX.
Aplicabilidade: aterros de pequeno a médio porte; excelente como etapa de polimento.

4) Arranjos híbridos (recomendação prática)
Como funciona: combinar equalização + físico-químico (coagulação/floculação) + biológico (lodos ativados, MBBR, SBR ou UASB) + membranas (UF/OR) + wetlands de polimento.
Desempenho: dilui riscos; estabiliza afluente; reduz OPEX da OR; melhora robustez frente a sazonalidade.
Vantagens: flexibilidade e resiliência; melhor custo global quando bem integrado.
Limitações: projeto/integração mais complexos; CAPEX escalonado; necessidade de automação e instrumentação.
Custo relativo: Médio–Alto CAPEX / Médio OPEX, com melhor TCO quando dimensionado corretamente.

Reuso do chorume tratado: oportunidade ou risco no saneamento?

No saneamento, o reúso é tema sensível. Em cenários de escassez hídrica, utiliza-se o permeado (pós-membranas) para usos não potáveis (lavagem de pisos, irrigação de áreas não alimentares, utilidades industriais). Entretanto, a decisão requer risk assessment e monitoramento de micropoluentes (p. ex., PFAS, traços de pesticidas e fármacos). Como princípio, adote barreiras múltiplas, registros analíticos contínuos, fail-safe operacional e plano de comunicação com órgãos ambientais. Somente assim o saneamento assegura benefícios sem transferir riscos.

Custos, desempenho e decisão: como o saneamento deve escolher

De modo geral, a recirculação é a mais barata, porém limitada para metas rigorosas; wetlands oferecem OPEX baixo, mas exigem área e estabilidade; a osmose reversa entrega efluente superior, mas com OPEX elevado e passivo do concentrado; e o arranjo híbrido tende a otimizar o custo total de ciclo de vida. Para decidir, o saneamento deve aplicar critérios de lifecycle cost, metas de qualidade, risco regulatório, volatilidade de energia e logística do concentrado/lodos, além de prever expansão modular e redundância.

Grandes aterros de referência: mundo e Brasil

Fresh Kills (Nova Iorque, EUA): após encerramento, mantém sistema de captação de chorume com drenagens setorizadas, monitoramento piezométrico e tratamento antes do descarte; integra recuperação ambiental e controle de biogás.

Puente Hills (Los Angeles, EUA): histórico de operação com controle avançado de lixiviados e gases, instrumentação contínua e integração com aproveitamento energético, servindo de referência técnica e de gestão.

Songdo (Coreia do Sul): gestão moderna com impermeabilização multicamadas, estações compactas de tratamento (incluindo membranas) e SCADA para tomada de decisão em tempo real.

CTR Rio – Seropédica (RJ, Brasil): referência latino-americana com base de impermeabilização robusta, rede de drenagem de chorume, tratamento em múltiplas etapas (físico-químicas e biológicas) e monitoramento de desempenho, alinhado às melhores práticas de saneamento.

Aterro Bandeirantes (SP, Brasil): pioneiro na captura de biogás e em soluções de drenagem; adotou arranjos de tratamento e gestão de lixiviados com foco em estabilidade, influenciando outras operações de saneamento no país.

CTR Caieiras/EcoUrbis (SP, Brasil): operação de grande porte com sistemas de captação e equalização de chorume, etapas de tratamento e monitoramento frequente, além de integração com gestão de gases para geração energética.

Boas práticas operacionais no saneamento

  • Equalização e automação para amortecer picos de carga e vazão.
  • Pré-tratamento confiável (peneiras, flotadores, remoção de sólidos) para proteger sistemas biológicos/membranas.
  • Monitoramento analítico expandido (DQO/DBO, N-NH3, metais, condutividade, micropoluentes quando aplicável).
  • Plano para concentrados e lodos (coprocessamento, solidificação/estabilização, encaminhamento a unidades licenciadas).
  • Estratégias híbridas modulares e revisões periódicas de CAPEX/OPEX (TCO).
  • Treinamento contínuo de operadores e integração com o SGI (qualidade, meio ambiente e segurança).

Conclusão: o que o saneamento precisa priorizar

Para reduzir riscos e custos, o saneamento deve priorizar arranjos de tratamento robustos, monitoramento em tempo real, planos para o concentrado e evidências analíticas que sustentem qualquer proposta de reúso. Em síntese, combinar engenharia de processos, governança e transparência com o órgão ambiental é o caminho mais seguro para transformar um passivo em desempenho ambiental mensurável. Assim, o saneamento evolui de forma consistente, mesmo sob pressões regulatórias, orçamentárias e climáticas.

Fontes