5 maiores mentiras que muitos gestores ainda acreditam sobre saneamento

1) “Investir em saneamento é caro demais”

O custo de não investir é maior. Evidências internacionais estimam retorno médio próximo de US$ 5,5 para cada US$ 1 aplicado em saneamento, combinando redução de gastos com saúde, aumento de produtividade e menor mortalidade. Portanto, adiar obras de saneamento acumula passivos: internações evitáveis, dias de trabalho perdidos e degradação ambiental. Além disso, quando se estrutura um portfólio de projetos por impacto sanitário, alinha-se CAPEX e OPEX ao ciclo de vida dos ativos e combinam-se fontes de financiamento (bancos de desenvolvimento, debêntures de infraestrutura e PPPs), o saneamento deixa de ser “custo” e torna-se alavanca de desenvolvimento local. Assim, melhora-se a sustentabilidade fiscal, reforça-se a resiliência operacional e, consequentemente, eleva-se a qualidade percebida do serviço de saneamento.

2) “Perdas de água são inevitáveis”

Algum nível é inerente, todavia patamares elevados indicam falhas de gestão. Em base recente do SNIS, o país registrou perdas na distribuição próximas de 37–38%, o que representa bilhões de reais em água tratada e receita não aproveitadas. Entretanto, operações de referência trabalham consistentemente abaixo de 20% ao combinar engenharia e dados. Desse modo, a estratégia eficaz separa perdas reais (vazamentos) das aparentes (medição/comercial) para acionar táticas distintas. Com DMAs (distritos de medição e controle), gestão ativa de pressão, manutenção baseada em condição, telemetria, auditorias de hidrômetros, cadastro técnico confiável e combate a fraudes com analytics, o saneamento migra do “apagar incêndios” para a redução sustentada de IPD e IPL. Assim, libera-se água para novos clientes, eleva-se a continuidade e reforça-se a sustentabilidade econômico-financeira do saneamento.

3) “A universalização pode esperar até 2033”

O prazo é legal e fatal: 99% de água e 90% de esgoto até 31/12/2033. Adiar decisões hoje transforma-se em passivo acumulado para 2026–2030. Apesar de avanços, indicadores domiciliares mostram desigualdades relevantes e cobertura rural muito inferior à urbana, o que reforça a urgência. Para cumprir prazos, o saneamento requer PMO ativo, projetos executivos prontos, licitações antecipadas, obras em carteira priorizada e reforço operacional para ligações domiciliares. Em paralelo, impõe-se calibrar a regulação tarifária com contabilidade regulatória, prever reequilíbrios claros e assegurar linhas de financiamento. Em síntese, a janela é curta; logo, a execução precisa iniciar antes, com governança forte, metas verificáveis e soluções aderentes ao contexto local de saneamento.

4) “Privatização resolve tudo; empresa pública não entrega”

Desempenho decorre do desenho contratual, da regulação e da disciplina por metas — não apenas da natureza societária. Concessões e PPPs bem estruturadas aceleram CAPEX, ampliam accountability e entregam expansão quando há metas claras, fiscalização, penalidades e transparência. Por outro lado, companhias públicas modernizadas, com compliance robusto, gestão de pessoas orientada a resultados, indicadores auditados e foco em perdas, também alcançam elevada eficiência. Experiências recentes no país mostram grandes outorgas e compromissos de investimento com acompanhamento por agências reguladoras, além de painéis públicos de desempenho. Contudo, somente contratos bem desenhados, governança de riscos e verificação independente convertem promessas em resultados duradouros. Portanto, o debate útil em saneamento não é “público versus privado”, mas “qual arranjo melhor mitiga riscos e maximiza entrega no território”.

5) “A população não se importa com saneamento”

Quando a entrega é percebida e a comunicação é clara, a sociedade valoriza o saneamento. Doenças relacionadas à falta de água segura e esgoto tratado geram centenas de milhares de internações anuais com custos expressivos ao sistema de saúde, afetando sobretudo crianças e idosos. Programas de expansão combinados com campanhas educativas, uso racional, adesão a ligações domiciliares e transparência tarifária tendem a elevar a aceitação social e a disposição a pagar. Além disso, políticas tarifárias com proteção focalizada garantem inclusão sem desorganizar o equilíbrio econômico-financeiro. Em outras palavras, a barreira não é apatia; é déficit de informação e de resultados tangíveis no bairro do usuário, o que reforça a centralidade do saneamento nas prioridades locais.

Agenda prática para gestores

Eficiência operacional com foco em perdas: mapa de perdas por setor, DMAs com metas trimestrais, gestão ativa de pressão, manutenção baseada em condição, auditoria e substituição programada de hidrômetros, cadastro técnico integrado e combate a fraudes com analytics e inspeção direcionada.
KPI e governança: IPD, IPL (L/lig/dia), continuidade do abastecimento, índice de hidrometração, eficiência de faturamento, cobertura e eficiência do tratamento de esgoto, qualidade da água, investimento por habitante e satisfação do usuário — com auditoria periódica e dashboards públicos.
Estruturação financeira: combinação de orçamento, bancos de desenvolvimento e debêntures de infraestrutura para casar prazos de obras e amortização; priorização por custo-efetividade; modelagem de PPPs com matriz de riscos clara.
Regulação e contratos: metas mensuráveis com baseline validado, regras de reequilíbrio ágeis e penalidades objetivas; transparência de custos via contabilidade regulatória e monitoramento independente de investimentos.
Comunicação e adesão: relatórios públicos em linguagem simples, acompanhamento de metas, programas de conexão domiciliar que reduzam barreiras financeiras de curto prazo e canais de atendimento responsivos.

Indicadores-chave para acelerar resultados

Para que o saneamento evolua com consistência, recomenda-se um painel equilibrado que inclua: índice de perdas por volume e por ligação, continuidade do abastecimento (horas/dia), índice de hidrometração, eficiência de faturamento, cobertura de rede de água e de esgoto, eficiência do tratamento de esgoto, conformidade da qualidade da água, produtividade operacional (empregados por mil ligações), prazo médio de obras, investimento por habitante e satisfação do usuário. Além disso, metas anuais com baseline confiável, auditoria independente e transparência elevam a credibilidade, sustentam decisões tarifárias e fortalecem a legitimidade do saneamento perante a população e os reguladores.

Conclusão

Com planejamento, tecnologia e governança, o saneamento entrega saúde, produtividade e inclusão, além de destravar valor econômico local. Ao substituir crenças por evidências, reduzir perdas, acelerar a universalização e reforçar a sustentabilidade financeira, cria-se um ciclo virtuoso. Em última análise, o saneamento é infraestrutura de dignidade e vetor de desenvolvimento; por isso, deve-se migrar do “se” para o “como”, com foco permanente em eficiência, transparência e impacto mensurável.

Fontes (clique para acessar)