IA para dosagem de produtos químicos em ETAs

Como funciona

A aplicação de Inteligência Artificial (IA) em estações de tratamento de água (ETAs) já deixou de ser apenas estudo acadêmico e começou a mostrar resultados práticos em companhias de saneamento pelo mundo.

O conceito é simples: sensores on-line (turbidez, cor, pH, alcalinidade, vazão, temperatura) enviam dados continuamente para modelos de IA. Esses modelos, treinados com históricos de operação, aprendem a prever qual é a dose ótima de produtos químicos (coagulante, alcalinizante, desinfetante, polímero) em cada condição.

Assim, em vez de trabalhar com valores fixos, a ETA passa a ajustar automaticamente a dosagem em tempo real, garantindo água de qualidade, menor custo químico e menos riscos de não conformidade.

Exemplos reais no mundo (com resultados)

1. Woodland–Davis Regional WTP – Califórnia, EUA (Jacobs)

  • Capacidade: 114 milhões de litros/dia.
  • Processo: cloreto férrico + polímero, ozônio e filtração biológica.
  • A IA foi usada para otimizar a dosagem de coagulante.
  • Resultado: redução de ~9% no gasto com produtos químicos, o que significou até US$ 72 mil/ano de economia.

2. ETA Winneke – Melbourne Water, Austrália

  • Capacidade: 600 milhões de litros/dia, responsável por 30% do abastecimento de Melbourne.
  • Coagulante principal: sulfato de alumínio (alúmen).
  • Sistema de IA para prever e ajustar dose conforme qualidade da água bruta.
  • Resultado: cerca de 8% de redução no consumo de coagulante (≈ AUD 160 mil/ano). Em alguns cenários, também houve aumento de até 10% na remoção de matéria orgânica.

3. EWEB – Eugene, Oregon (EUA)

  • Contexto: captação vulnerável a impactos de queimadas florestais.
  • Implementação de IA para prever alterações súbitas na qualidade da água e indicar ajustes de dosagem.
  • Resultado: maior rapidez de resposta e prevenção de não conformidades durante eventos extremos, garantindo segurança da água distribuída.

Passo a passo de implementação

  1. Defina objetivos e limites de segurança
    • Ex.: NTU ≤ 0,1 na saída de filtros, cloro livre entre 1,0 e 2,0 mg/L, redução de custos químicos.
    • Crie limites de atuação (dose mínima/máxima, variação permitida, fallback manual).
  2. Invista em instrumentação e dados
    • Sensores confiáveis (turbidez, UV254, pH, alcalinidade, cloro).
    • Integração via SCADA/PLC e boa qualidade de dados (calibração, redundância).
  3. Escolha a estratégia de modelagem
    • Modelos de redes neurais, fuzzy ou aprendizado por reforço.
    • Transparência é essencial: use IA explicável (XAI) para operadores entenderem as recomendações.
  4. Teste em fases
    • Rodar em “modo sombra” (apenas recomendações).
    • Depois, liberar controle automático com monitoramento e possibilidade de retorno ao manual.
  5. Monitore KPIs e ajuste continuamente
    • Indicadores: consumo específico de coagulante (mg/L), turbidez média/p95, custo por m³ tratado, estabilidade do cloro, ocorrência de não conformidades.
    • Re-treinar os modelos sempre que houver mudanças significativas na água bruta.

Principais fornecedores no mercado

  • Jacobs — responsável pelos casos de Woodland–Davis (EUA) e Winneke (Austrália).
  • Autodesk (Info360 Plant / Emagin) — plataforma de otimização preditiva para ETAs e ETEs, já usada em utilities norte-americanas.
  • Idrica (GoAigua / Global Omnium, Espanha) — soluções de digital twin aplicadas ao tratamento e distribuição em Valência, com economia de químicos e energia.
  • Veolia (Hubgrade Performance) — sistema global de monitoramento e otimização de plantas, aplicável também ao controle de dosagem química.
  • VROC (Austrália) — casos de otimização de dosagem de coagulante, reduzindo testes de jarros e consumo de insumos.

Conclusão técnica

As experiências internacionais mostram que é possível economizar entre 5% e 10% de produtos químicos em ETAs com IA, além de aumentar a segurança operacional em eventos críticos.

Para o Brasil, a oportunidade é enorme: temos variabilidade de qualidade de água bruta, altos custos de químicos e pressão regulatória. O que falta não é tecnologia, mas dados confiáveis, integração SCADA–IA e mudança cultural para confiar em modelos inteligentes.

Se bem implantados, os sistemas de IA podem transformar as ETAs brasileiras em operações mais eficientes, econômicas e seguras — colocando o país na vanguarda do saneamento digital.

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