O Brasil perde energia e dinheiro ao ignorar resíduos sólidos

A notícia que acendeu o alerta

A reportagem publicada pelo Valor Econômico em 30/09/2025 trouxe uma constatação preocupante: o Brasil desperdiça o potencial energético do lixo. Associações do setor, como a Abren (Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos), reforçam que essa falha custa caro ao país.

E esse problema não é apenas de energia: é um desafio direto do saneamento. Afinal, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) já estabeleceu que a gestão do lixo deve ser integrada aos serviços de saneamento. Mas, na prática, toneladas de resíduos seguem para aterros ou até lixões — muitos deles irregulares — sem que o potencial energético seja aproveitado.

O tamanho do desperdício

  • O Brasil gera cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos por ano.
  • Menos de 5% é reciclado de fato.
  • Estima-se que 49% desse volume poderia ser transformado em energia, o que movimentaria até R$ 180 bilhões em investimentos.
  • Apenas a crise do lixo custa cerca de R$ 97 bilhões por ano, segundo estudos da Abrema.

Esses números mostram que o saneamento perde duas vezes: paga caro para dispor o lixo e deixa de arrecadar ao não transformá-lo em recurso energético.

Por que o saneamento não aproveita essa energia?

A reportagem do Valor aponta três grandes entraves:

  1. Insegurança regulatória: faltam marcos claros e previsíveis que deem segurança jurídica para contratos de longo prazo.
  2. Ausência de incentivos: enquanto solar e eólica recebem apoio estruturado, a energia do lixo ainda carece de políticas atrativas.
  3. Desconexão entre planos: os planos municipais de resíduos sólidos muitas vezes não dialogam com os planos de saneamento, o que trava projetos de valorização energética.

Além disso, há o alto CAPEX inicial e a necessidade de escala, o que exige consórcios regionais e contratos bem estruturados.

Tecnologias disponíveis para o saneamento

Mesmo com entraves, as rotas já estão à disposição do setor de saneamento:

  • Biogás de aterros: aproveita a decomposição orgânica já existente nos aterros para gerar energia ou biometano.
  • Digestão anaeróbia: permite transformar a fração orgânica separada em energia e fertilizantes.
  • Combustível derivado de resíduos (CDR): cria insumos energéticos para indústrias, reduzindo a dependência de aterros.
  • Waste-to-Energy (WtE): incineração controlada com recuperação de energia, viável em grandes centros urbanos.
  • Triagem e reciclagem avançada: essencial para melhorar a qualidade dos fluxos e reduzir rejeitos.

Para o saneamento, adotar essas tecnologias significa transformar passivos em ativos e abrir novas fontes de receita.

Exemplo prático no Brasil: Barueri (SP)

O caso de Barueri, em São Paulo, é emblemático. A primeira Unidade de Recuperação Energética (URE) do país foi contratada em leilão de energia e deve entrar em operação em 2027.

  • Capacidade: processar 825 toneladas de lixo por dia.
  • Geração: aproximadamente 20 MW de energia elétrica.
  • Viabilidade: garantida por contrato no mercado regulado (leilão A-5).

Esse projeto mostra que é possível alinhar saneamento e energia no Brasil. Mas também evidencia que o setor precisa de planejamento integrado, contratos de longo prazo e gestão pública comprometida.

Como o saneamento pode avançar

  1. Diagnóstico de resíduos locais: mapear composição e volumes para definir a melhor rota tecnológica.
  2. Viabilidade técnica e financeira: simular CAPEX, OPEX, receita energética e retorno do investimento.
  3. Integração contratual: adaptar concessões e PPPs para prever valorização energética dentro do saneamento.
  4. Incentivos e regulação: pressionar por marcos regulatórios mais claros e incentivos equivalentes a outras fontes renováveis.
  5. Capacitação técnica: formar quadros especializados em energia de resíduos dentro das companhias de saneamento.

Indicadores que gestores de saneamento devem acompanhar

  • % de resíduos desviados de aterros
  • kWh gerados por tonelada de RSU
  • Receita líquida de energia por tonelada
  • Redução de emissões de metano (tCO₂e evitadas)
  • Payback e TIR dos projetos
  • Custo líquido de disposição final (R$/ton)

Esses indicadores permitem medir a sustentabilidade real do saneamento quando integrado à valorização do lixo.

Conclusão

A reportagem do Valor trouxe à tona um problema crítico: o Brasil está jogando fora energia, dinheiro e sustentabilidade ao não valorizar o lixo. Para o setor de saneamento, esse é um chamado à ação.

Se o país quer cumprir metas de universalização, reduzir tarifas e se alinhar às políticas climáticas, precisa transformar o lixo em oportunidade. Projetos como o de Barueri mostram que é viável. Cabe agora às companhias de saneamento, prefeituras e órgãos reguladores trabalharem juntos para destravar esse potencial e mudar o rumo da gestão de resíduos no Brasil.

Fontes