R$ 22 bilhões em investimentos e Tietê continua poluído

O rio Tietê ilustra a complexidade do saneamento moderno: mesmo após aportes significativos de recursos, a qualidade da água permanece vulnerável. Este artigo apresenta uma análise técnica, em linguagem direta, destinada a profissionais do saneamento. Em primeiro lugar, vamos revisar os dados recentes; em seguida, discutir os fatores que limitam a efetividade dos investimentos; por fim, propor recomendações práticas para promover um saneamento mais resiliente e sustentável.

Situação atual do Tietê

Os estudos mais recentes mostram redução da chamada “mancha de poluição”, porém a condição geral da bacia ainda é crítica. Apesar de investimentos expressivos em programas de despoluição, a maioria dos pontos monitorados aponta água imprópria para usos múltiplos. Assim, fica claro que o aporte financeiro precisa ser acompanhado por melhorias em governança, operação e planejamento integrado de saneamento.

Por que os investimentos não garantem recuperação completa

Existem pelo menos cinco causas principais pelas quais o investimento isolado não leva à recuperação definitiva do Tietê:

  • Infraestrutura incompleta: coleta e tratamento de esgoto não universalizados; interceptores e estações que falham em operação.
  • Governança fragmentada: múltiplas responsabilidades sem coordenação efetiva entre municípios, empresas e órgãos ambientais.
  • Fontes difusas de poluição: resíduos sólidos, áreas agrícolas e efluentes urbanos não totalmente controlados.
  • Impactos climáticos: estiagens reduzem diluição e concentram poluentes; eventos extremos sobrecarregam sistemas.
  • Falta de manutenção e operação continuada: investimentos de capital sem planos robustos de operação e manutenção comprometem a sustentabilidade do saneamento.

Desafios operacionais e institucionais

Na prática, o saneamento exige não apenas obras, mas também processos contínuos: manutenção de estações, monitoramento em tempo real, respostas rápidas a rompimentos e práticas de operação baseadas em indicadores. Além disso, a transparência de dados e o engajamento da sociedade civil são essenciais para garantir que o saneamento produza benefícios duradouros para saúde pública e ambiente.

Recomendações práticas para profissionais do saneamento

Com base nos problemas identificados, apresento ações prioritárias que podem aumentar a efetividade dos investimentos em saneamento:

  • Governança integrada da bacia: estabelecer fóruns permanentes com metas, indicadores e responsabilidades claras.
  • Universalização do tratamento de esgoto: priorizar conexões em redes e ampliar capacidade de tratamento operacional.
  • Infraestrutura verde: restauração de matas ciliares, áreas de retenção e soluções baseadas na natureza que complementem o saneamento tradicional.
  • Monitoramento contínuo e dados abertos: implantar sistemas de telemetria e abrir dados para controle social.
  • Planos de operação e manutenção: assegurar contratos que incluam manutenção preventiva e contingência.
  • Adaptação climática: incorporar cenários de estiagem e cheias nos projetos de saneamento e drenagem.

Exemplos internacionais de rios despoluídos (com estimativa de custos)

A seguir, três casos que podem servir de referência técnica e financeira para o trabalho de recuperação do Tietê:

1. Rio Seine — França

Principais ações: ampliação e modernização do tratamento de esgoto, tanques de retenção, intervenções para usos recreativos e medidas complementares. Estimativa de valor gasto: aproximadamente €1,4 bilhão em grandes obras associadas a programas urbanos e preparações para eventos, além de custos operacionais anuais adicionais.

2. Los Angeles River — Estados Unidos

Principais ações: remoção parcial do revestimento de concreto, restauração de margens, infraestrutura verde e projetos de drenagem urbana. Estimativa de valor gasto: projetos de trechos específicos variam entre US$ 375 milhões e US$ 1 bilhão; um plano mestre de revitalização em toda a bacia pode alcançar cifras muito superiores (ordens de US$ 10–20 bilhões) conforme escala e fases.

3. Thames / Wandle (trechos) — Reino Unido

Principais ações: limpeza de resíduos, combate a obstruções do sistema causadas por produtos flush, programas de monitoramento e pequenas obras de restauração. Estimativa de valor gasto: operações pontuais custam centenas de milhares de libras por ação; programas anuais e operacionais podem somar milhões por ano em trechos críticos.

O papel estratégico do saneamento

Em resumo, o saneamento é pilar estratégico para saúde pública, segurança hídrica e desenvolvimento urbano. Sem integração entre obras, operação, governança e proteção de bacias, os resultados serão parciais. Portanto, para além de investimentos, é necessário consolidar práticas que garantam manutenção, monitoramento e adaptação continuada.

Conclusão

O caso do Tietê demonstra que bilhões em investimentos não substituem uma estratégia integrada de saneamento. Para transformar recursos em melhoria permanente da qualidade da água, recomenda-se combinar infraestrutura, governança e soluções baseadas na natureza. Assim, será possível avançar de forma sustentável na recuperação do rio e na garantia de serviços de saneamento eficientes para a população.

Fontes

  • https://exame.com/esg/tiete-segue-em-risco-mesmo-apos-r-22-bilhoes-em-investimentos-na-despoluicao/
  • https://sosma.org.br/noticias/tiete-segue-vulneravel-apesar-de-reducao-da-mancha-de-poluicao
  • Estudos e reportagens internacionais sobre despoluição de rios (Seine, Los Angeles River, Thames e Wandle)