Rio inaugura aterro modelo para RCC

A inauguração do primeiro aterro público exclusivo para resíduos da construção civil (RCC) do Rio de Janeiro representa um passo concreto para modernizar o saneamento urbano, reduzir o descarte irregular e impulsionar a economia circular. Localizado em Gericinó, na Zona Oeste, o empreendimento inicia operações com área de 40,6 mil m² e capacidade de receber até 250 toneladas por dia. Assim, o saneamento da capital ganha um ativo estratégico para segregar, pesar, rastrear e destinar de forma ambientalmente adequada aquilo que, por anos, entupiu bueiros, degradou paisagens urbanas e aumentou custos de limpeza pública.

Além do benefício operacional imediato, o projeto se insere em uma visão de longo prazo para o saneamento: até a segunda fase, a área total ultrapassará 111 mil m² e o volume acumulado poderá chegar a aproximadamente 480 mil toneladas em cinco anos. Desse modo, o município cria infraestrutura dedicada a um fluxo de resíduos volumoso, historicamente subatendido pelas políticas públicas, mas central para a qualidade do saneamento e para a eficiência do sistema de limpeza urbana.

Licenciamento e classes aceitas

Do ponto de vista regulatório, o aterro foi licenciado para acolher RCC não perigosos das Classes A, B e C, conforme a Resolução CONAMA 307. Portanto, serão aceitos materiais como tijolos, blocos de concreto, telhas, placas cerâmicas, restos de pavimentação e solos de terraplanagem, além de recicláveis típicos da construção (madeira, metais, vidro, plástico e papel/papelão), desde que sem mistura com resíduos domiciliares ou perigosos. Essa aderência normativa confere segurança jurídica e técnica ao empreendimento e, sobretudo, cria condições para que o saneamento evolua da destinação bruta para o aproveitamento efetivo de materiais.

Gestão econômica e logística

Outro diferencial está no desenho econômico e logístico. Para pequenos geradores, permanece a remoção gratuita de entulho ensacado via 1746 (limite de 150 sacos de 20 litros por solicitação), o que reduz a tendência ao descarte clandestino e melhora a disciplina urbana. Já para descartes diretamente no aterro, o preço público fixado em R$/t cria transparência e previsibilidade de custos, favorecendo caçambeiros, construtoras e serviços de manutenção urbana. Com isso, o saneamento municipal obtém ganhos duplos: diminui a coleta corretiva em pontos viciados e otimiza o transporte, evitando enviar material inerte até Seropédica, o que, por sua vez, gera economia orçamentária relevante para reinvestimentos.

Beneficiamento e economia circular

Importa destacar que o projeto não se limita a aterrar. Há previsão de uma usina de beneficiamento no mesmo sítio, até o segundo semestre de 2027, para transformar RCC em insumos para obras públicas e privadas — como pó de pedra, bica corrida, brita e rachão. Ou seja, o saneamento passa a articular, no mesmo hub, a destinação imediata e a preparação para reciclagem em escala. Essa mudança de patamar reduz a dependência de agregados naturais, diminui emissões associadas a transporte de longa distância e fortalece cadeias locais de suprimentos, em linha com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e com o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS).

Impacto urbano e disciplinamento do descarte

Sob a ótica de impacto urbano, a Zona Oeste concentra alguns dos principais pontos de descarte irregular, com milhares de toneladas de entulho recolhidas diariamente em vias e terrenos. Portanto, posicionar o equipamento em Gericinó é uma decisão de saneamento baseada em evidências: encurta trajetos de coleta mecanizada, disciplina rotas de caçambeiros credenciados, facilita a fiscalização e aumenta a chance de adesão dos geradores. Mais do que isso, o controle de portaria, o pesagem eletrônica e o condicionamento de recebimento a resíduos “limpos” são mecanismos essenciais para manter a integridade operacional do ativo e evitar que o pátio se torne um destino de rejeitos indevidos.

Cenário nacional e potencial de replicação

Do lado macro, o volume anual de RCC no Brasil é expressivo. Estimativas setoriais apontam dezenas de milhões de toneladas por ano, com taxas de reciclagem ainda aquém do potencial técnico. Por isso, infraestrutura pública dedicada, como a inaugurada no Rio, influencia positivamente o saneamento nacional ao demonstrar que políticas de preço, fiscalização ativa e logística acessível podem, de fato, reverter a curva do descarte clandestino. Ademais, ao prever a produção de agregados reciclados, o município sinaliza demanda pública para esse insumo, o que reduz barreiras de mercado e incentiva especificações técnicas e contratações que privilegiem materiais reciclados em base e sub-base de pavimentos, calçadas, blocos intertravados e obras de contenção.

Indicadores e boas práticas para gestores de saneamento

Para que a iniciativa renda os resultados esperados, é recomendável que o gestor de saneamento adote um painel de indicadores com metas trimestrais, tais como:

  • Toneladas de RCC recebidas/dia e taxa de ocupação das células, para planejar as etapas de expansão.
  • Redução do descarte irregular por bairro (número de pontos viciados ativos e reincidentes), integrando dados de 1746 e operações de campo.
  • Custo operacional por tonelada comparado ao cenário anterior (coleta + transporte + destinação).
  • Índice de pureza do RCC (percentual de cargas recusadas por contaminação com domiciliar ou perigoso), para ajustar campanhas educativas e fiscalização.
  • Produção e consumo de agregados reciclados quando a usina entrar em operação, monitorando substituição de agregados naturais em contratos públicos.
  • Aderência regulatória (licenças, condicionantes ambientais e auditorias operacionais).

Operacionalmente, algumas boas práticas podem potencializar o ganho em saneamento: georreferenciamento e agendamento digital de caçambas; integração com sistemas de manifesto de transporte (MTR) estaduais; auditorias por amostragem com abertura de sacos em portaria; e comunicação ativa com geradores, indicando os tipos de RCC aceitos e as penalidades por mistura. Paralelamente, convém alinhar especificações técnicas e compras públicas para privilegiar agregados reciclados em intervenções de urbanização, drenagem e pavimentação — um círculo virtuoso em que o saneamento fecha o ciclo dentro do próprio território.

Próximos passos e consolidação do modelo

No curto prazo, o município deve se concentrar em três frentes: (1) desafogar pontos críticos de descarte na Zona Oeste com rotas dedicadas ao novo aterro; (2) consolidar a adesão dos credenciados — caçambeiros, construtoras e prestadores — por meio de cadastros, horários estendidos e atendimento responsivo; e (3) comunicar intensamente a disponibilidade do 1746 e do recebimento direto no aterro, com linguagem simples, valores claros e mapas de acesso. Se esses pilares forem mantidos, o saneamento colherá benefícios ambientais, fiscais e reputacionais, com ruas mais limpas, menos assoreamento de drenagens e menor pressão sobre aterros de RSU.

Conclusão

Por fim, a implantação da usina de beneficiamento consolidará a transição do saneamento reativo para o saneamento circular. Ao transformar entulho em insumo padronizado, o município avança na hierarquia da PNRS, privilegiando a reciclagem sobre a disposição final. E, com métricas públicas e metas anuais, a cidade pode se tornar referência nacional na gestão de RCC — um subtipo de resíduo frequentemente negligenciado, mas decisivo para a saúde urbana e para a eficiência econômica do saneamento.

Fontes