Rios urbanos: do sonho europeu à realidade brasileira

Projetos ambiciosos têm mostrado que é possível transformar rios urbanos antes tomados pela poluição em espaços de lazer, esporte e turismo. Em Roma, a prefeitura anunciou que o rio Tibre pode estar apto para banho em até cinco anos, algo que não acontece oficialmente desde os anos 1960. Para alcançar essa meta, foi estruturado um arranjo de governança envolvendo diferentes níveis de autoridade, com foco em restaurar a qualidade da água, monitoramento rigoroso e investimentos em tratamento de esgoto, drenagem e revitalização das margens. A sinalização é que o custo tende a ficar abaixo de grandes referências internacionais recentes, pois a situação atual do Tibre é considerada menos severa do que a observada em outros casos de reabilitação.

O anúncio marca uma guinada histórica: hoje, nadar no Tibre é proibido e passível de multa, com raras exceções simbólicas. Caso o plano seja cumprido, Roma se somará a outras capitais europeias que vêm reabrindo seus rios para uso recreativo, após longos ciclos de investimento e gestão integrada.

Reflexões para o Brasil

A experiência internacional reacende o debate sobre rios urbanos brasileiros. Três casos são emblemáticos pela relevância histórica, escala de intervenção necessária e aprendizados de políticas públicas: Tietê/Pinheiros (São Paulo), Capibaribe (Recife) e Arrudas (Belo Horizonte).

1) Rio Tietê & Rio Pinheiros — São Paulo

  • Problemas: despejo de esgoto doméstico e industrial, assoreamento, poluição difusa decorrente da urbanização e da drenagem ineficiente.
  • Ações: programas de despoluição conectando milhares de imóveis à rede de coleta, ampliação do tratamento de esgoto, obras de desassoreamento e reforço em interceptores; investimentos adicionais previstos para trechos médios e baixos da bacia.
  • Desafios: persistência de trechos com baixa qualidade da água, coordenação entre múltiplos municípios e manutenção do ritmo de obras e conexões domiciliares.

2) Rio Capibaribe — Recife

  • Problemas: déficit de coleta e tratamento de esgoto em áreas densas, lançamento in natura e piora recente em indicadores de qualidade da água.
  • Ações: planos regionais de saneamento, ampliações pontuais de estações de tratamento, monitoramento recorrente por instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil.
  • Desafios: ampliar cobertura de esgotamento, coibir ligações clandestinas, assegurar financiamento contínuo e integrar obras de saneamento com soluções de drenagem urbana.

3) Rio Arrudas — Belo Horizonte

  • Problemas: carga elevada de esgoto doméstico, acúmulo de resíduos sólidos, enchentes agravadas pela impermeabilização da bacia e canalização de trechos do curso d’água.
  • Ações: programas de revitalização na bacia Arrudas–Onça, expansão de interceptores, intervenções de drenagem e campanhas de educação ambiental.
  • Desafios: déficit de coleta e tratamento em áreas periféricas, necessidade de integração entre saneamento, drenagem e planejamento urbano, além de recursos para execução integral do plano.

Lições comuns

  • Investimento contínuo em saneamento: universalização de coleta e eficiência no tratamento de esgoto.
  • Gestão integrada: alinhar saneamento, drenagem e resíduos sólidos ao ordenamento urbano.
  • Monitoramento permanente: acompanhamento de qualidade da água para orientar decisões e informar a população.
  • Engajamento social: participação comunitária para reduzir descartes irregulares e sustentar políticas de longo prazo.

Impactos esperados

Rios urbanos recuperados significam ganhos concretos: redução de doenças de veiculação hídrica, valorização imobiliária, atração de turismo, novas áreas de lazer, mitigação de enchentes e resgate cultural. A experiência recente de capitais europeias demonstra que os benefícios superam os custos, desde que haja continuidade administrativa, planejamento técnico robusto e transparência no acompanhamento das metas.

O Brasil já reúne iniciativas importantes, mas precisa acelerar a expansão de redes coletoras, a eficiência em estações de tratamento e a integração com a drenagem urbana para transformar boas intenções em resultados mensuráveis. Com governança estável, financiamento adequado e participação social, nossos rios também podem voltar a ser parte viva do cotidiano das cidades — inclusive para banho onde a segurança sanitária assim permitir.