Enquanto o Brasil destina bilhões de reais para tratar doenças, continua, paradoxalmente, ignorando que muitas delas poderiam ser evitadas com saneamento básico adequado. Essa escolha, além de cara, perpetua desigualdades e, portanto, exige questionamento público. Afinal, cada real investido em saneamento retorna múltiplos em economia na saúde; contudo, ainda se prefere remediar em vez de prevenir. Assim, para profissionais de saneamento, fica evidente que a discussão não é apenas técnica, mas também política, orçamentária e, sobretudo, ética.
Quanto custa internar por falta de saneamento
Ano após ano, centenas de milhares de brasileiros são internados por doenças relacionadas ao saneamento inadequado. Em 2024, por exemplo, esse volume de internações representou um gasto direto de centenas de milhões de reais no SUS apenas com hospitalizações, e, além disso, existem custos ambulatoriais, medicamentos, transporte, exames e perda de produtividade que raramente entram na conta inicial. Desse modo, fica claro que uma parte significativa desse dinheiro poderia ser poupada se o país priorizasse saneamento como política de saúde preventiva. Logo, enquanto o orçamento segue pressionado, as comunidades vulneráveis continuam expostas a riscos evitáveis.
Projeções de médio e longo prazo
Quando se projeta o impacto de universalizar o saneamento, os números tornam-se ainda mais contundentes. Com água tratada, coleta e tratamento de esgoto e drenagem urbana estruturada, reduzir-se-iam as doenças de veiculação hídrica, haveria menos internações e, portanto, menor sobrecarga do SUS. Além disso, a produtividade da força de trabalho aumentaria, a frequência escolar melhoraria e, consequentemente, a renda das famílias subiria. Assim, mesmo que os investimentos para universalização do saneamento pareçam elevados, o retorno agregado — em saúde, dignidade e crescimento econômico — compensa, e compensa rapidamente.
A lógica “doença-lucrativa” do orçamento público
Apesar das evidências, o ciclo orçamentário ainda privilegia gastos visíveis em hospitais e medicamentos, porque, politicamente, entregam resultado imediato. Por outro lado, obras de saneamento têm benefícios difusos e de médio prazo. Portanto, prioriza-se aquilo que rende capital político no curto prazo, ainda que seja financeiramente ineficiente. Assim, profissionais de saneamento precisam levar números à mesa de decisão, pois a retórica sozinha não reorienta a alocação de recursos; dados consistentes e comparações custo-benefício, sim.
Impactos sociais e desigualdade
A ausência de saneamento atinge desproporcionalmente as famílias mais pobres, onde crianças e idosos sofrem mais com diarreias, hepatites e doenças transmitidas por vetores. Além disso, regiões historicamente subfinanciadas enfrentam maior carga de internações por enfermidades evitáveis. Desse modo, a falta de saneamento não é apenas um problema setorial: ela aprofunda desigualdades, corrói oportunidades e, por consequência, compromete o futuro de comunidades inteiras. Portanto, ao priorizar saneamento, também se prioriza justiça social.
Comparações técnicas de custo/benefício
Quando se comparam os custos anuais de hospitalizações e atendimentos por doenças relacionadas ao saneamento inadequado com o custo de ampliar redes de água, esgoto e drenagem, a diferença é gritante. Com efeito, investir em saneamento ataca a fonte do problema; gastar exclusivamente em saúde, por sua vez, trata o sintoma e mantém o ciclo. Assim, com a prevenção estruturada, economizam-se recursos na ponta, liberando orçamento para outras prioridades públicas e, simultaneamente, assegurando ganhos permanentes de qualidade de vida.
Polêmica central: remediar vs. prevenir
A pergunta que não quer calar é simples: por que insistir em gastar mais com tratamento quando é possível gastar menos com prevenção via saneamento? De um lado, permanecem os custos recorrentes de internações, medicamentos e exames; de outro, um investimento em saneamento que, embora exija planejamento, reduz estruturalmente a incidência de doenças. Portanto, a escolha por remediar revela uma miopia de gestão pública que, invariavelmente, penaliza quem mais precisa.
Consequências da inação
Se nada muda, o SUS continua sobrecarregado, os leitos seguem ocupados por casos evitáveis e, consequentemente, as filas aumentam. Ao mesmo tempo, bairros sem infraestrutura de saneamento permanecem reféns de surtos periódicos, escolas perdem dias letivos e empresas perdem horas de trabalho. Assim, a inação é cara, desumana e, além disso, profundamente ineficiente. Em contrapartida, uma estratégia agressiva de saneamento traz resultados cumulativos e, portanto, duradouros.
Recomendação técnica para o setor de saneamento
Para virar o jogo, recomenda-se mapear, com precisão, os municípios e bairros que mais pressionam a rede de saúde por falta de saneamento, priorizando intervenções que entreguem o maior retorno sanitário por real investido. Além disso, é crucial integrar equipes de saneamento e saúde, cruzando bases de dados para orientar o planejamento de obras. Finalmente, é indispensável apresentar cenários de economia fiscal e ganho social às secretarias de fazenda e planejamento, pois, assim, aumenta-se a probabilidade de deslocar recursos para onde realmente geram valor.
Conclusão provocativa
O Brasil está pagando a conta errada: investe pesado para remediar doenças que poderiam ser evitadas com saneamento universalizado. Portanto, a sociedade precisa exigir prioridade orçamentária para saneamento, pois, assim, a saúde pública se fortalece, a economia fica mais eficiente e a dignidade torna-se regra, não exceção. Em síntese: ou continuamos gastando mal, ou finalmente investimos certo — e saneamento é o caminho racional.
FONTES
- Instituto Trata Brasil – estudos sobre internações e DRSAI
- CNN Brasil – economia com universalização do saneamento
- Inter B Consultoria – Saneamento Básico: relevância do setor
- OMS – Water, Sanitation and Health (WASH)



