O saneamento enfrenta desafios crescentes diante de eventos extremos, e o seguro paramétrico aparece como uma ferramenta estratégica para trazer previsibilidade e resiliência financeira. Diferentemente do seguro tradicional, o paramétrico paga automaticamente quando um gatilho climático predefinido — por exemplo, pluviometria abaixo de um limiar ou nível de rio em determinada cota — é atingido.
Para o setor de saneamento, isso significa que choques hídricos graves podem ser convertidos em fluxo financeiro controlado, sem demora de perícias ou disputas. Ao implementar esse tipo de seguro, companhias de saneamento garantem liquidez rápida para ações emergenciais, proteção da receita operacional e maior estabilidade no planejamento tarifário e de investimento.
O que é seguro paramétrico — e por que interessa ao saneamento
No seguro paramétrico, o risco é transferido com base em índices objetivos: chuva acumulada, fluxo de rios, dados de satélite ou sensores IoT. Quando o índice ultrapassa (ou fica abaixo de) um valor pré-estabelecido, o pagamento é acionado sem necessidade de comprovação de danos materiais.
Para a gestão do saneamento, os benefícios são múltiplos:
- Redução de impacto de secas ou enchentes sobre receitas e operação;
- Previsibilidade no caixa para contingências;
- Menor litígio ou desacordo quanto a valores indenizatórios;
- Capacidade de responder mais rapidamente a eventos extremos sem depender de crédito emergencial.
Exemplos de empresas e iniciativas no Brasil
Embora o seguro paramétrico ainda não seja amplamente utilizado no setor de saneamento brasileiro, já existem empresas, seguradoras e modelos relacionados que mostram como o paradigma pode avançar no país:
Newe – seguros climáticos digitais
A Newe é uma seguradora brasileira especializada em produtos de seguro climático e está em fase de desenvolvimento de seguros paramétricos para riscos climáticos e agrícolas. Em 2023, recebeu aporte de R$ 27 milhões via a estratégia InsuResilience, ligada ao BlueOrchard, para expandir sua atuação em seguros paramétricos. Embora não atue diretamente no saneamento, sua expertise em dados climáticos, indexação e estrutura digital pode servir de base para adaptação de soluções paramétricas para utilities de água e esgoto.
IRB Brasil RE – Pastagem Protegida
A IRB Brasil RE lançou no Brasil o “Pastagem Protegida – Índice”, seguro paramétrico voltado ao setor agropecuário. Ele protege produtores contra perdas derivadas de condições climáticas adversas, como estiagem ou excesso de calor. Esse produto demonstra como seguradoras brasileiras já exploram a lógica indexada — e pode servir de ponte para estruturar produtos paramétricos adaptados ao saneamento, especialmente para riscos em mananciais ou sub-bacias.
Swiss Re – hidrelétricas no Brasil
A Swiss Re emitiu uma apólice paramétrica atrelada ao índice ANE (energia natural afluente) de usinas hidrelétricas, para mitigar prejuízos em anos de seca severa. Caso a geração natural caísse abaixo de 90% da média histórica, ocorria pagamento conforme contrato. Esse exemplo é especialmente interessante para o setor de saneamento, pois a lógica de risco hídrico e recuperação rápida de caixa pode ser adaptada para sistemas de captação e tratamento de água.
Aon – seguros corporativos no Brasil
A Aon Brasil já oferece seguros paramétricos sob medida para empresas, com foco em riscos climáticos que afetam receita — como estiagens regionais ou excesso de chuva. Essa atuação comercial configura um caminho natural para que serviços públicos ou concessões de saneamento possam contratar variações do modelo customizadas para operação de água e esgoto.
Setor agrícola como laboratório tecnológico
Outros atores, como seguradoras rurais, corretoras e empresas de tecnologia, já utilizam seguros paramétricos no agronegócio. Esse ecossistema pode servir como laboratório para o setor de saneamento, permitindo tração de modelos, infraestrutura de dados e regulamentações que mais tarde migrem para utilities.
Desafios e lacunas no Brasil
Apesar dos avanços, há obstáculos para que o seguro paramétrico se torne realidade no saneamento:
- Basis risk elevado: o índice pode não refletir exatamente o impacto na operação de saneamento;
- Infraestrutura de dados limitada: muitas bacias ou cidades não possuem sensores suficientes;
- Cultura regulatória e institucional: ainda não há diretrizes claras em agências de regulação do saneamento;
- Mercado incipiente: mesmo no setor agrícola, a penetração ainda é baixa;
- Exigência de alta sofisticação técnica: envolve modelos estatísticos e auditorias independentes.
Mesmo assim, o surgimento de players como Newe, IRB Brasil RE, Swiss Re e Aon mostra que já há base técnica e comercial para estruturar seguros paramétricos adaptados ao saneamento.
Passos práticos para companhias de saneamento
- Diagnóstico de risco climático por bacia: identificar secas, cheias e vulnerabilidades;
- Curadoria de dados: mapear séries históricas, estações e sensores IoT;
- Estruturação financeira: definir limites, franquias e convivência com seguros tradicionais;
- Governança e compliance: garantir aderência a normas locais e internacionais;
- Piloto regional: iniciar em uma bacia crítica e expandir progressivamente.
Assim, o saneamento pode sair da postura reativa para adotar uma gestão preventiva e financeiramente resiliente, fortalecendo sua capacidade de universalização mesmo diante das mudanças climáticas.



