A experiência da Suécia na gestão de resíduos sólidos é um dos exemplos mais avançados do planeta. O país transformou o que antes era visto como problema ambiental em fonte de energia, matéria-prima e renda. Com um sistema altamente integrado entre coleta, reciclagem e recuperação energética, a Suécia conseguiu praticamente eliminar o envio de lixo a aterros, atingindo índices de eficiência superiores a 99%.
Esse modelo é uma verdadeira lição para o setor de saneamento e para todos os profissionais envolvidos com resíduos sólidos, demonstrando que a sustentabilidade e a rentabilidade podem caminhar juntas.
Gestão integrada e política pública de longo prazo
A base do sucesso sueco está em uma política nacional sólida, com planejamento de longo prazo e metas claras para o tratamento de resíduos sólidos. Desde os anos 1990, o país implantou leis que restringem o envio de resíduos a aterros sanitários, proibindo completamente o descarte de materiais combustíveis e orgânicos. Essa decisão forçou empresas e municípios a buscar soluções inovadoras.
Outro pilar foi a criação de um sistema de responsabilidade estendida do produtor, que obriga fabricantes a se responsabilizarem pelo ciclo completo de vida de seus produtos — do design até a reciclagem. Assim, a indústria passou a investir em embalagens mais fáceis de reciclar e em processos logísticos que facilitam a coleta e o reaproveitamento.
Coleta seletiva eficiente e participação popular
A coleta seletiva é outro destaque da gestão sueca de resíduos sólidos. Cada cidadão tem papel ativo no processo: é comum que os moradores separem o lixo em até sete categorias diferentes — papel, plástico, metal, vidro, orgânico, eletrônico e rejeitos.
Os centros de reciclagem são acessíveis e organizados, muitos com sistemas automatizados que permitem ao cidadão descartar materiais de forma prática. Além disso, campanhas educacionais contínuas promovem uma cultura de consciência ambiental, reforçando que o correto manejo dos resíduos sólidos é um dever coletivo.
Essa combinação de logística bem planejada e engajamento social resultou em uma redução drástica do desperdício e em maior pureza nos materiais recicláveis, o que aumenta a eficiência do sistema.
Usinas de valorização energética: o lixo que vira energia
O ponto mais inovador do modelo sueco de resíduos sólidos é o uso de usinas de “waste-to-energy” (WTE), ou valorização energética. Nelas, os resíduos não recicláveis são incinerados em instalações altamente controladas para gerar energia elétrica e térmica.
Essas usinas atendem a mais de 1,5 milhão de residências com aquecimento urbano e produzem energia suficiente para abastecer centenas de milhares de lares. O calor gerado é canalizado para redes subterrâneas de aquecimento, especialmente importantes durante o rigoroso inverno sueco.
Ao contrário do que muitos imaginam, esse processo não é poluente: as plantas são equipadas com filtros de última geração e sistemas de purificação que eliminam gases nocivos, como dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e partículas sólidas. As cinzas resultantes ainda são tratadas e reaproveitadas na construção civil, transformando o processo em um ciclo quase fechado.
Importação de lixo: quando a eficiência supera a geração
O sucesso foi tão grande que a Suécia hoje importa resíduos sólidos de outros países europeus, como Noruega, Reino Unido e Itália, para alimentar suas usinas. Isso ocorre porque a quantidade de lixo gerada internamente não é suficiente para manter o sistema energético operando em sua capacidade máxima.
Cerca de 1,3 milhão de toneladas de resíduos importados são processadas anualmente. Os países que enviam esse lixo pagam à Suécia pelo serviço, o que gera receita adicional e reforça o equilíbrio financeiro do modelo.
Esse é um exemplo claro de economia circular e de como os resíduos sólidos podem ser transformados em ativos estratégicos, não apenas em passivos ambientais.
Resultados ambientais e econômicos
- Apenas 1% dos resíduos sólidos urbanos vai para aterros;
- Mais de 50% são reciclados ou compostados;
- Cerca de 49% são usados para geração de energia;
- As emissões de gases de efeito estufa do setor foram reduzidas em mais de 30% desde 1990;
- A dependência de combustíveis fósseis diminuiu significativamente.
Esses dados demonstram que o modelo sueco de gestão de resíduos sólidos é sustentável, financeiramente viável e ambientalmente responsável.
Lições para o saneamento no Brasil
O Brasil ainda destina quase metade dos resíduos sólidos coletados para lixões ou aterros inadequados. Entretanto, há potencial para replicar parte do modelo sueco. A principal lição é que a mudança depende de integração entre políticas públicas, investimento em tecnologia e conscientização da população.
As empresas e os profissionais do setor de saneamento podem:
- Implementar programas de coleta seletiva com foco em educação ambiental;
- Fomentar parcerias público-privadas para construção de usinas de recuperação energética;
- Incentivar a criação de cooperativas de catadores com estrutura tecnológica moderna;
- Implantar programas de logística reversa obrigatória para embalagens e eletrônicos;
- Investir em monitoramento e transparência dos dados de resíduos sólidos.
Com o Novo Marco do Saneamento e a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), há espaço para o avanço dessas práticas no Brasil, especialmente se houver priorização da economia circular e integração entre os setores de saneamento e energia.
Cultura, tecnologia e continuidade
O segredo da Suécia não está apenas na tecnologia, mas na continuidade das políticas públicas e na cultura de valorização dos resíduos sólidos. Cada habitante entende que seu papel é essencial para o funcionamento do sistema. Além disso, os governos locais têm autonomia e recursos para manter operações de alta qualidade, com monitoramento constante dos indicadores de desempenho.
A combinação entre regulação, inovação e educação fez com que o país atingisse um patamar de eficiência que o transformou em referência mundial. Esse é o caminho que o saneamento brasileiro precisa seguir para tornar os resíduos sólidos uma oportunidade de progresso e não um problema urbano.
Conclusão
O modelo sueco prova que é possível alcançar equilíbrio entre meio ambiente, desenvolvimento econômico e bem-estar social. A gestão eficiente dos resíduos sólidos transformou o país em líder global em sustentabilidade. Para o setor de saneamento, essa é uma inspiração prática: com planejamento, inovação e engajamento social, o lixo pode deixar de ser um desafio e se tornar fonte de energia, emprego e prosperidade.
Fontes
- Clipping Abinee – “A Suécia é tão boa em reciclagem que ficou sem lixo”
- Sweden.se – “Swedish Recycling and Beyond”
- Swedish Energy Agency – “From Waste to Wealth”
- Blue Ocean Strategy – “Turning Waste to Energy: Sweden’s Recycling Revolution”
- Reasonstobecheerful.world – “How Sweden Sends Just 1% of Its Trash to Landfills”



