Recentemente, foi noticiado que a Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro) poderá assumir um prejuízo de R$ 900 milhões em função de um acordo decorrente de erro no edital de concessão do saneamento. Esse episódio surpreendeu deputados estaduais e já motiva discussões sobre a abertura de uma CPI para apurar responsabilidades.
O que aconteceu: resumo técnico
- Erro no edital de concessão
No processo de concessão de serviços de água e esgoto (saneamento) no estado do Rio de Janeiro, o edital considerado para subsidiar a concessão indicava uma cobertura de rede de saneamento superior à real — ou seja, o dado informado à agência reguladora estava superestimado. A Águas do Rio alegou que, ao assumir o contrato, encontrou variação de mais de 18,5 % entre a cobertura efetiva versus o que constava no edital. - Acordo estatal para “descontos” no fornecimento
Para evitar que o ônus do erro recaísse sobre os consumidores ou comprometesse o cronograma de investimentos da concessionária, o governo estadual propôs que a Cedae assumisse o prejuízo, concedendo descontos fornecendo água à Águas do Rio nas áreas afetadas. Assim, a estatal absorveria o impacto financeiro. - Prejuízo estimado e reação política
Deputados reagiram com surpresa diante do valor estimado em R$ 900 milhões, questionando a transparência e a legalidade de um acordo emergencial firmado por meio remoto e fora do trâmite usual. Já há manifestações favoráveis à abertura de CPI para investigar o acordo. - Histórico de obrigações não cumpridas
No passado, a Águas do Rio teria se comprometido a realizar obras para compensar diferenças relativas à tarifa social e ao reequilíbrio do contrato. Alegou-se um débito de R$ 800 milhões à Cedae que não teria sido satisfeito. - Mediação regulatória e parecer da agência
A Agenersa (Agência Reguladora dos Serviços de Energia e Saneamento Básico do RJ) emitiu parecer jurídico afirmando que não haveria impedimentos legais ao acordo. Também instaurou mediação técnica para confirmar as divergências de cobertura de rede apontadas.
Impactos para o setor de saneamento
Financeiro e orçamentário
Quando uma empresa pública de saneamento é forçada a absorver perdas dessa magnitude, há impactos diretos na capacidade de investimento, operação e manutenção, além do risco de comprometer a sustentabilidade financeira da estatal.
Reputação e confiança institucional
Essa situação abala a confiança de investidores, dos reguladores e da sociedade em geral, quando falhas técnicas e conceituais no planejamento comprometem a credibilidade de processos de concessão no saneamento.
Impacto regulatório e legal
Pode surgir risco de questionamentos jurídicos, disputas contratuais, auditorias e controle externo — especialmente se uma CPI for instaurada, havendo exigência de transparência e prestação de contas.
Eficiência operacional e planejamento
Projetos de saneamento dependem de diagnósticos precisos de cobertura, perdas, demanda e infraestrutura existente. Erros detectados só após a concessão dificultam ajustes corretos, gerando retrabalho, custos adicionais e desconfiança técnica.
Análise crítica
Falha no diagnóstico prévio
O ponto central foi a discrepância entre os dados que sustentaram o edital e a realidade técnica. Em concessões de saneamento, um diagnóstico robusto da rede existente, das perdas e da cobertura é pré-requisito fundamental para evitar riscos futuros.
Distribuição de riscos inadequada
O modelo adotado parece transferir, unilateralmente, os riscos decorrentes de falhas de informação para a empresa pública (Cedae), sem salvaguardas contratuais adequadas. Isso é impróprio num contrato que deveria equilibrar responsabilidades entre concedente e concessionária.
Decisão emergencial sem transparência
O fato de o acordo ter sido anunciado de forma emergencial e remota, com pouca participação institucional, gera suspeitas e questionamentos sobre governança, participação dos órgãos de controle e legitimidade da tomada de decisão.
Papel indispensável da agência reguladora
Uma agência reguladora atuante deveria prevenir, fiscalizar e intervir tecnicamente nesses processos. A mediação pela Agenersa é relevante, mas demonstra que a regulação precisaria ter papel mais proativo ainda nas fases iniciais dos processos de concessão de saneamento.
Lições e recomendações para profissionais de saneamento
- Priorizar estudos técnicos independentes
Antes de lançar edital, garantir diagnósticos confiáveis, auditáveis e atualizados da rede de saneamento existente, perdas, cobertura e demandas. - Modelar cláusulas de risco equilibradas
Contratos de concessão no saneamento devem prever mecanismos de ajuste ou compensação técnica e financeira caso divergências em dados apareçam posteriormente. - Garantir transparência e controle institucional
Todas as decisões, mediadas ou emergenciais, devem ser registradas, submetidas a órgãos de controle (TCE, Ministério Público, legislativo) e supervisionadas por agência reguladora. - Atuar preventivamente na regulação
A agência reguladora precisa monitorar os processos desde o planejamento do edital até a operação plena, antecipando riscos. - Estabelecer mecanismos de auditoria e revisão
É importante prever revisões periódicas, auditorias independentes e cláusulas de reequilíbrio para garantir sustentabilidade do contrato de saneamento.
Conclusão
O episódio envolvendo Cedae e o acordo de R$ 900 milhões evidencia que, mesmo em estados com experiência no setor de saneamento, riscos técnicos podem comprometer a sustentabilidade financeira e institucional dos contratos. A ocorrência demonstra que decisões emergenciais sem transparência e diagnósticos imprecisos no processo de concessão trazem graves consequências.
Para gestores, técnicos e reguladores de saneamento, o caso serve como alerta: reforçar diagnósticos técnicos, equilibrar riscos contratuais, garantir participação dos órgãos de controle e fortalecer a regulação desde o início. Só assim o saneamento público poderá avançar com credibilidade, eficiência e segurança financeira.



