Recentemente, o Prêmio Nobel de Química foi concedido a Susumu Kitagawa, Richard Robson e Omar M. Yaghi pelo desenvolvimento dos chamados Metal–Organic Frameworks (MOFs) — estruturas metálicas-orgânicas de alta porosidade que apresentam enorme potencial para aplicações em tratamento de água, entre outras.
Para profissionais do saneamento, especialmente os que atuam em companhias de saneamento e sistemas integrados de abastecimento e esgotamento, essa descoberta representa uma nova fronteira para o tratamento de água. A seguir, apresenta-se uma análise técnica, porém acessível, dos MOFs e de como eles podem impactar o tratamento de água no setor de saneamento.
1. O que são os MOFs
Os MOFs são materiais cristalinos constituídos por íons metálicos ou grupos metálicos (os “nós”) que se ligam a moléculas orgânicas (os “braços” ou “elos”) formando uma rede com cavidades internas grandes, altamente porosas e com uma superfície interna muito elevada.
Na prática, essas cavidades permitem que moléculas de água, gases ou contaminantes adentrem, sejam retidas ou transformadas — o que abre novas possibilidades para o tratamento de água.
Para o setor de saneamento, esse nível de controle sobre adsorção, troca química e arquitetura porosa representa uma alternativa aos materiais tradicionais usados em tratamento de água, como zeólitas ou carvão ativado, especialmente em cenários onde se exige remoção de micropoluentes ou recuperação de recursos.
2. Por que os MOFs importam para o tratamento de água
Várias razões tornam os MOFs extremamente relevantes para o tratamento de água em companhias de saneamento:
- Alta seletividade e superfície ativa: Os MOFs podem ser “afinados” para capturar seletivamente contaminantes específicos (ex.: metais pesados, PFAS, microcompostos orgânicos) em processos de tratamento de água.
- Potencial para remoção de micropoluentes emergentes: Um desafio crescente em estações de tratamento de água é a presença de microcompostos farmacêuticos, cosméticos e demais poluentes persistentes. Os MOFs estão emergindo como possíveis materiais para essa faixa de tratamento.
- Aplicação em ambientes extremos ou remotos: Alguns trabalhos demonstram que MOFs podem ser utilizados para extrair água do ar ou para tratamento de água em locais com acesso limitado. Essa capacidade abre oportunidades para sistemas de abastecimento em regiões áridas ou de difícil acesso.
- Integração com tecnologias modernas: Em engenharia de saneamento, a incorporação de materiais avançados como os MOFs pode permitir sistemas híbridos (adsorção + membranas + filtração) com maior eficiência e menor área ocupada.
Logo, para companhias de saneamento que atuam com abastecimento de água para comunidades urbanas e rurais, esses materiais podem representar uma inovação significativa no tratamento de água, especialmente na melhoria da qualidade, no controle de micropoluentes ou mesmo no reaproveitamento de água.
3. Como os MOFs atuam no tratamento de água
No contexto de tratamento de água, os MOFs operam por mecanismos como:
- Adsorção: O contaminante se liga às paredes internas do MOF por interação física ou química. Esse é o mecanismo mais direto para retirar metais ou moléculas orgânicas da água.
- Separação molecular: Devido à precisão do tamanho dos poros e à afinidade química, os MOFs podem separar moléculas específicas da corrente de água, o que pode ser útil em sistemas de tratamento de água potável ou de reuso.
- Ação catalítica ou reativa: Alguns MOFs podem catalisar reações que degradam contaminantes persistentes, modificando quimicamente substâncias indesejadas durante o tratamento de água.
- Recuperação e reutilização: A modularidade dos MOFs permite que sejam regenerados ou reutilizados, conferindo vantagem operacional no tratamento de água.
Na prática, isso indica que pode haver fases nos processos de tratamento de água — como pré-tratamento, tratamento avançado ou polimento — em que os MOFs desempenham papel complementar aos meios convencionais (areia, carvão ativado e membranas).
4. Desafios para adoção pelas companhias de saneamento
Apesar do grande potencial, alguns fatores devem ser considerados pelas companhias de saneamento ao pensar em incorporar MOFs no tratamento de água:
- Escala industrial e custo: A produção em larga escala de MOFs ainda enfrenta barreiras econômicas e de confiabilidade operacional. Embora haja enorme promessa, muita pesquisa ainda é necessária antes da aplicação em larga escala.
- Estabilidade em ambientes aquosos: Muitos MOFs tradicionais apresentam degradação em contato prolongado com água, o que exige materiais modificados e maior resistência química para o uso em tratamento de água.
- Integração com processos existentes: Para que os MOFs sejam viáveis em estações de tratamento de água, é preciso que se adaptem aos fluxos, regenerações e custos operacionais atuais.
- Avaliação de riscos e durabilidade: Como todo material novo, os MOFs requerem avaliação de durabilidade, performance a longo prazo, toxicidade potencial e impacto no processo de tratamento de água.
5. Oportunidades práticas para o setor de saneamento
Para profissionais que atuam em companhias de saneamento, as seguintes oportunidades merecem atenção no âmbito do tratamento de água:
- Polimento pós-filtração: Após o tratamento convencional, um leito de MOF pode atuar como refinador para remoção de micropoluentes, metais ou PFAS que escapam de processos tradicionais.
- Tratamento descentralizado: Em comunidades rurais ou localidades remotas, sistemas compactos com MOFs podem oferecer tratamento de água eficiente, com menor consumo energético e espaço físico reduzido.
- Tecnologias para regiões áridas: O uso de MOFs para captação de água do ar pode complementar o abastecimento e o tratamento de água em regiões secas.
- Reuso e recuperação: Em estações de reuso industrial, os MOFs podem ser integrados para elevar a qualidade da água reutilizada, reduzindo cargas contaminantes.
- Pesquisa e inovação institucional: A parceria entre universidades e companhias de saneamento pode acelerar ensaios-piloto e análise de custo-benefício dessa tecnologia no tratamento de água.
6. Relevância para o Brasil
No contexto brasileiro, o tratamento de água enfrenta desafios como variação da qualidade da água bruta, presença de contaminantes emergentes, necessidade de abastecimento em zonas rurais e metas regulatórias cada vez mais rigorosas.
Os MOFs oferecem:
- Potencial para melhorar a eficiência do tratamento de água, reduzindo custos e área ocupada.
- Oportunidades de inovação em concessões e parcerias de pesquisa, aproximando o setor de práticas internacionais.
- Diferencial competitivo na prestação do serviço, ao antecipar exigências regulatórias e ambientais.
- Alinhamento com o novo marco legal do saneamento e com as metas de sustentabilidade das companhias de saneamento.
7. Considerações finais
A premiação dos pesquisadores que desenvolveram os MOFs sinaliza para o setor de saneamento que inovar em tratamento de água não é mais opcional, mas estratégico.
Embora a aplicação em larga escala ainda demande avanços, é fundamental que as companhias de saneamento incorporem essa tecnologia em seus programas de pesquisa, desenvolvimento e planejamento operacional.
Os MOFs representam uma oportunidade real de transformação na eficiência, na qualidade e na sustentabilidade do tratamento de água — especialmente em contextos de escassez hídrica, reuso e controle de poluentes emergentes.
A adoção gradual e inteligente desses materiais pode posicionar o setor de saneamento como protagonista da inovação e da sustentabilidade no Brasil.
Fontes
- Nobel Prize – Press release: The Nobel Prize in Chemistry 2025
- UW News – Q&A: UW chemistry professors explain MOFs
- KWR Water Research Institute – Nobel Prize for MOFs: porous materials with potential
- The Chemical Engineer – MOF pioneers win 2025 Nobel Prize in Chemistry
- Nature – Chemistry Nobel for scientists who developed massively porous ‘super sponge’ materials



