Sabesp planeja reuso de esgoto tratado contra escassez hídrica

A escassez hídrica na Região Metropolitana de São Paulo reacendeu o debate sobre soluções avançadas de saneamento. Entre elas, desponta o reúso de água de esgoto tratada para reforço de mananciais — uma estratégia que, quando bem projetada, monitorada e comunicada, pode aumentar a resiliência do abastecimento urbano sem abrir mão da segurança sanitária. A discussão ganhou tração com a avaliação da Sabesp sobre injetar água tratada em reservatórios estratégicos, tema que exige uma análise técnica acessível para os profissionais de saneamento.

Por que o reúso volta ao centro do saneamento

A combinação de chuvas abaixo da média, queda de níveis de reservatórios e crescimento da demanda pressiona os sistemas de saneamento. Em resposta, medidas de gestão da demanda e de reforço de oferta vêm sendo adotadas, enquanto estudos estruturais consideram alternativas de médio e longo prazo — inclusive estações de recarga de mananciais e integração de volumes de água de reúso aos sistemas produtores.

Conceitos-chave de reúso aplicados ao saneamento

Modalidades de reúso

No espectro do saneamento, há três modalidades principais: (1) reúso não potável (irrigação, usos industriais, lavagem urbana); (2) reúso potável indireto, quando a água tratada é lançada ou injetada em mananciais e, depois, captada e tratada novamente para abastecimento; e (3) reúso potável direto, no qual, após tratamento avançado, a água regenerada é integrada diretamente ao sistema de distribuição. Para a Grande São Paulo, discute-se o modelo indireto, com recarga de mananciais que alimentam reservatórios.

Referências e lições aprendidas no Brasil

O Brasil já opera, há mais de uma década, um dos maiores sistemas de reúso industrial da América Latina: o Aquapolo, que produz até ~1.000 L/s de água de reúso para o polo petroquímico do ABC a partir de esgoto tratado (Sabesp/ETE-ABC), com adução dedicada e processos avançados (bioreatores e membranas). Embora voltado a uso industrial, o case demonstra maturidade tecnológica e de operação relevante ao saneamento metropolitano.

Benefícios esperados ao saneamento e à segurança hídrica

Resiliência e uso eficiente da água

Projetos de reúso ampliam a resiliência do saneamento em estiagens, reduzem a pressão sobre captações convencionais e diversificam fontes. Quando associados a controle de perdas e gestão da demanda, contribuem para estabilizar sistemas produtores críticos da metrópole. Planos estaduais já consideram portfólios com novas captações, estações de recarga e transferências entre bacias, compondo um arranjo integrado de soluções.

Inovação e sustentabilidade operacional

A inserção de reúso em escala de manancial coloca o saneamento na fronteira tecnológica (membranas, oxidação avançada, desinfecção UV/ozônio), induzindo monitoramento online, automação e contratos de desempenho. Além disso, pode reduzir custos de adução de longo curso em cenários específicos, desde que o balanço energético e de OPEX seja favorável. A experiência do Aquapolo evidencia a viabilidade de operação contínua e confiável em grandes vazões.

Desafios técnicos e regulatórios

Qualidade da água e barreiras múltiplas

Para usos que envolvam mananciais de abastecimento, o saneamento deve garantir barreiras múltiplas e padrões rígidos microbiológicos e químicos, incluindo monitoramento em tempo real e redundância de processos. Isso implica etapas terciárias/quaternárias (membranas, carvão ativado, UV/ozônio) e protocolos de verificação contínua antes da mistura com águas brutas dos reservatórios.

Regulação, licenciamento e governança

A adoção de reúso para recarga de mananciais exige arranjos regulatórios claros, licenciamento ambiental específico e pactuação com os comitês de bacia. No âmbito do saneamento paulista, há estudos oficiais sobre intervenções de reforço (captações, recargas e transferências) que devem ser articulados com normas de reúso e com planos de segurança da água.

Capex/Opex, energia e logística

Sistemas de reúso em escala metropolitana requerem investimentos em adutoras, estações de bombeamento, pontos de injeção e integração com centros de controle operacional do saneamento. O custo energético de tratamento avançado e de bombeamento deve ser modelado em cenários de longo prazo, considerando tarifas, emissões e confiabilidade.

Roteiro de implantação para companhias de saneamento

Faseamento e pilotos

Recomenda-se iniciar por estudos de viabilidade (hidráulica, energética, sanitária e financeira) e por pilotos de recarga controlada. A validação deve incluir indicadores de qualidade, traçadores, modelagem de mistura nos reservatórios e protocolos de resposta operacional. Para o saneamento, pilotos bem auditados aceleram licenciamento e aceitação social.

Integração com planos e metas

Projetos de reúso precisam integrar-se a metas de redução de perdas, gestão de pressões e reforços estruturais já em andamento, evitando a percepção de medida isolada. Documentos oficiais sinalizam carteiras de obras e estudos com prazos e investimentos que podem ancorar o planejamento do saneamento.

Comunicação e confiança pública

A comunicação transparente sobre qualidade, controles e benefícios é decisiva para a aceitação. Em saneamento, confiança se constrói com dados contínuos, auditorias independentes e clareza sobre a diferença entre água de reúso industrial, recarga de manancial e água distribuída à população. Casos como o Aquapolo ajudam a explicar tecnologias e salvaguardas.

Conclusão

O reúso para recarga de mananciais é caminho consistente para fortalecer a segurança hídrica urbana e modernizar o saneamento brasileiro. Tecnologias consolidadas, governança clara e operação baseada em risco permitem desenhar projetos com qualidade controlada end-to-end. Ao combinar reúso, redução de perdas e gestão da demanda, o saneamento metropolitano pode atravessar estiagens com maior estabilidade — com benefícios ambientais, econômicos e institucionais. A análise do cenário paulista indica que o momento é propício para transformar estudos em projetos faseados, auditáveis e escaláveis, gerando aprendizados replicáveis em outras regiões de saneamento.

Fontes (clique para acessar)