Tecnologia solar transforma água salobra em potável

Em uma importante iniciativa para o setor de saneamento, o Viet Nam lançou um projeto-piloto de tratamento de água na ilha de Con Linh, localizada no delta do rio Mekong, que transforma água salobra em água tratada para uso doméstico e agrícola. Essa ação traz lições valiosas para gestores e técnicos de saneamento, pois integra tecnologia, energia renovável e modelo de governança local em uma solução de tratamento de água de baixo carbono.

Contexto e desafio

Na região costeira da província de Vinh Long, a ilha de Con Linh enfrenta forte intrusão salina, o que compromete o abastecimento de água doce e pressiona os sistemas locais de saneamento. O setor de saneamento reconhece que o avanço da salinização em zonas costeiras exige respostas inovadoras de tratamento de água e de adaptação climática, especialmente em comunidades isoladas e com baixa renda.

De forma geral, comunidades insulares dependem de poços rasos, água de chuva ou transporte de água por barco, todas soluções frágeis diante de secas prolongadas e variações climáticas. Nesse cenário, o projeto-piloto lançado em 27 de agosto de 2025 implementa um sistema de dessalinização por osmose inversa alimentado por energia solar, desenhado para garantir segurança hídrica e reduzir o custo operacional do tratamento de água.

Tecnologia aplicada e solução de tratamento de água

A solução de tratamento de água implantada em Con Linh combina, de forma integrada, várias tecnologias e decisões de engenharia que interessam diretamente ao profissional de saneamento:

  • Captação de água salobra ou água de superfície vulnerável à salinização, com avaliação prévia da qualidade da água de entrada.
  • Uso de sistema de osmose inversa para remoção de sais e impurezas, convertendo a água em padrão adequado para consumo humano e uso doméstico básico.
  • Alimentação por painéis solares, tornando o sistema “solar-powered” e reduzindo a dependência da rede elétrica convencional, algo crítico em áreas remotas.
  • Reutilização do concentrado salino (brine) na aquicultura de camarão, integrando o tratamento de água ao eixo água-energia-alimento (nexus WEF) e agregando valor econômico local.

Para o setor de saneamento, dois pontos técnicos ganham destaque. Primeiramente, a adequação da infraestrutura elétrica: o sistema de dessalinização exigia 380 V, enquanto a rede disponível trabalhava em 22 kV. Foi necessária a instalação de transformador e outros ajustes, evidenciando que projetos de tratamento de água com energia renovável exigem forte integração entre equipes de saneamento e de energia.

Em segundo lugar, o posicionamento físico da unidade de tratamento de água levou em conta aspectos de ruído e convivência com a comunidade, em especial por estar próxima à escola da ilha. A decisão reforça que, no saneamento, a tecnologia precisa ser compatível com o contexto social e urbano, sob risco de rejeição comunitária e dificuldades operacionais.

Relevância para o setor de saneamento

A experiência de Con Linh oferece lições aplicáveis para companhias públicas e privadas de saneamento no Brasil. Em primeiro lugar, o piloto demonstra que o tratamento de água pode ser desenhado desde o início para depender menos da energia da rede, o que reduz custos operacionais e torna o sistema mais resiliente em comunidades isoladas.

Em segundo lugar, o projeto evidencia a importância de integrar o tratamento de água com outros setores. Ao reutilizar o concentrado salino para a produção de camarão, evita-se um passivo ambiental e, ao mesmo tempo, cria-se uma nova fonte de renda local. Assim, o saneamento deixa de atuar isolado e passa a compor um arranjo produtivo mais amplo.

Outro ponto relevante é a governança. O piloto prevê treinamento da comunidade para operação e manutenção da planta, o que reforça a visão de que o tratamento de água não se encerra na obra física. É necessário capacitar operadores locais, estabelecer rotinas de monitoramento da qualidade da água, definir protocolos de manutenção e garantir que existam insumos e peças de reposição acessíveis.

Desafios e cuidados na implantação

Mesmo com uma tecnologia robusta de tratamento de água, a implantação em contextos reais traz uma série de desafios que os profissionais de saneamento precisam considerar de forma antecipada.

  • Variação da qualidade da água de entrada: a salinização e a composição química podem oscilar ao longo do ano. São necessários estudos hidrogeológicos e monitoramento contínuo para garantir que o sistema de tratamento de água opere dentro dos parâmetros de projeto.
  • Manutenção das membranas de osmose inversa: o desempenho depende de bom pré-tratamento (filtração, remoção de sólidos suspensos) e de um plano de limpeza e substituição. Sem isso, o custo de operação aumenta e a eficiência do tratamento de água cai rapidamente.
  • Dimensionamento da energia solar: é fundamental projetar corretamente a quantidade de painéis, sistemas de armazenamento e compatibilidade elétrica para assegurar operação contínua, inclusive em períodos nublados ou em picos de demanda.
  • Gestão do concentrado: o rejeito salino de sistemas de tratamento de água por osmose inversa precisa de destino ambientalmente adequado. Onde possível, a reutilização produtiva, como na aquicultura, reduz impactos e melhora a viabilidade econômica.
  • Engajamento comunitário: a aceitação social e o envolvimento da comunidade nos processos decisórios e na operação são tão críticos quanto o dimensionamento hidráulico ou elétrico.

Implicações para o Brasil e para os profissionais de saneamento

No Brasil, diversas comunidades costeiras e rurais convivem com fontes hídricas vulneráveis, dificuldades de acesso à rede elétrica e limitações orçamentárias. A experiência de Con Linh mostra que o tratamento de água pode ser redesenhado com foco em soluções modulares, descentralizadas e alimentadas por energia renovável.

Para companhias de saneamento, algumas possibilidades práticas incluem:

  • Aplicar tecnologias de dessalinização e tratamento de água por osmose inversa em localidades afetadas por intrusão salina em estuários e áreas litorâneas.
  • Estudar sistemas híbridos (solar + rede) de tratamento de água em pequenas comunidades rurais, reduzindo custos operacionais e ampliando a resiliência energética.
  • Integrar o planejamento do tratamento de água com projetos de agricultura irrigada, aquicultura ou reúso, reforçando o nexus água-energia-alimento e atraindo novas fontes de financiamento.
  • Incluir, nos planos de universalização, projetos-piloto de tratamento de água solar em distritos com baixa densidade populacional, testando modelos replicáveis para outras regiões.

Além disso, a experiência internacional pode servir de base para parcerias técnicas, capacitações e projetos conjuntos entre companhias de saneamento brasileiras, universidades e instituições internacionais. O profissional de saneamento que acompanha esse tipo de inovação passa a ter uma visão mais estratégica sobre como o tratamento de água pode contribuir, ao mesmo tempo, para a segurança hídrica, a adaptação climática e o desenvolvimento econômico local.

Conclusão

O piloto de tratamento de água na ilha de Con Linh demonstra que é possível, de forma viável e sustentável, implementar soluções avançadas em contextos vulneráveis. A combinação entre energia solar, osmose inversa, reúso do concentrado e capacitação comunitária oferece ao setor de saneamento um modelo completo, que vai muito além da simples produção de água potável.

À medida que o saneamento no Brasil avança rumo às metas de universalização, estudar experiências como a de Con Linh pode ajudar gestores e técnicos a planejar sistemas de tratamento de água mais eficientes, menos dependentes de combustíveis fósseis e melhor integrados com a realidade social e econômica das comunidades atendidas.

Fontes