O que muda quando o esgoto vira bioproduto?
Tradicionalmente, o esgoto é tratado apenas para remover poluentes e cumprir normas. No entanto, com a biorefinaria aplicada ao saneamento, o esgoto passa a ser visto como fonte de valor. Assim, carbono e nitrogênio presentes no esgoto são convertidos em bioplásticos do tipo PHA, em hidrogênio e em fertilizantes à base de amônio. Desse modo, além de atender aos padrões ambientais, a estação de tratamento transforma o esgoto em receita, reduz emissões de gases de efeito estufa e fecha ciclos de nutrientes. Portanto, o esgoto deixa de ser um centro de custo e se torna um eixo estratégico da economia circular.
Como funciona a produção de PHA a partir do esgoto?
Primeiro, correntes do esgoto são direcionadas para etapas que promovem a formação de ácidos graxos voláteis (VFAs). Em seguida, consórcios microbianos são “educados” para armazenar PHA em suas células quando há excesso de carbono. Depois, realiza-se a extração e a purificação para transformar o biopolímero em grânulos. Consequentemente, a mesma linha que remove carga orgânica do esgoto também gera um material com alto valor agregado. Além disso, processos integrados permitem manter a eficiência de remoção de DQO e nitrogênio do esgoto, enquanto se acumula PHA na biomassa, o que otimiza CAPEX e OPEX.
Quais recursos além do bioplástico podem sair do esgoto?
Além do PHA, tecnologias recentes possibilitam recuperar amônio do esgoto com contatores de membrana, produzindo insumos para fertilizantes. Paralelamente, há rotas bioeletroquímicas e microbianas para produção de hidrogênio utilizando correntes do esgoto. Assim, a ETE passa a recuperar energia e nutrientes, reduzindo consumo químico e emissões. Ademais, a monetização de coprodutos do esgoto cria novas fontes de receita para o operador, o que fortalece a resiliência financeira do sistema.
Qual é a maturidade tecnológica — e quais os desafios?
A viabilidade técnica está comprovada em pilotos e demonstradores urbanos. Contudo, a escala ainda exige melhorias na extração, no refino e na padronização do PHA, além de contratos de offtake. Ainda assim, o caminho mais seguro é iniciar com módulos complementares às linhas existentes do esgoto, medindo balanço energético, qualidade do polímero e demanda de mercado. Portanto, a recomendação é evoluir por fases, pois, à medida que a curva de aprendizado avança, o custo do PHA oriundo do esgoto tende a cair.
Onde essa inovação já é usada na prática — e com quais resultados?
- Stuttgart/Büsnau, Alemanha: Biorefinaria municipal demonstra a recuperação integrada de PHA, amônio e hidrogênio a partir do esgoto, com alta seletividade na captura de nitrogênio e ganhos claros em economia circular.
- WWTP Bath, Holanda (Projeto PHARIO): Produção de PHA a partir de lodo de esgoto em escala demonstrativa, com propriedades técnicas competitivas e validação em ETE real.
Quais perguntas o profissional de saneamento precisa responder antes de investir?
“Qual é o payback de transformar esgoto em PHA?” Depende do preço-alvo do biopolímero e do custo de extração; contudo, a receita adicional pode compensar energia e reagentes do tratamento do esgoto.
“A qualidade do PHA de esgoto atende normas?” Ensaios mostram propriedades competitivas quando o refino é bem conduzido; assim, há uso em embalagens, utensílios e peças técnicas.
“Como garantir mercado para o PHA de esgoto?” Por meio de contratos de offtake com transformadores plásticos e políticas de compras sustentáveis, além de certificações ambientais.
Qual o impacto para operadoras de saneamento?
Ao capturar carbono e nitrogênio do esgoto em produtos vendáveis, a ETE compensa despesas energéticas e melhora o desempenho ambiental. Além disso, como o PHA é biodegradável, há alinhamento com metas de descarbonização e restrições a plásticos convencionais. Por fim, projetos de biorefinaria de esgoto tendem a atrair financiamentos climáticos e rotular-se como infraestrutura verde, o que reduz custo de capital e acelera a modernização.
Como aplicar no Brasil sem parar a ETE?
O caminho prático é implementar um piloto modular acoplado às linhas atuais do esgoto: fermentação para VFAs, seleção/armazenamento de PHA e etapa de extração. Enquanto isso, mede-se rendimento, qualidade e custo. Em paralelo, estruturam-se compradores e certificações. Assim, a operadora brasileira valida a tecnologia com risco controlado, demonstra valor ao regulador e prepara a expansão. Portanto, o esgoto torna-se vetor de receita, inovação e melhor serviço à população.
Fontes
- https://www.fraunhofer.de/en/press/research-news/2025/september-2025/harnessing-municipal-wastewater-as-a-resource.html
- https://www.igb.fraunhofer.de/en/reference-projects/koalaplan.html
- https://www.igb.fraunhofer.de/en/research/resource-recovery-nutrients-metals-biogas/recovery-of-ammonium-from-wastewater.html
- https://www.stowa.nl/sites/default/files/assets/PUBLICATIES/Publicaties%202017/STOWA%202017-15.pdf
- https://www.bioplasticsmagazine.com/en/news/meldungen/20250903-wastewater.php
- https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27915059/
- https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24434985/
- https://www.mdpi.com/2227-9717/12/8/1720
- https://www.mdpi.com/2076-3417/15/6/3272



