Companhias de Saneamento podem usar ISO 30500 para universalizar?

Contexto regulatório e metas nacionais

O Novo Marco Legal do saneamento (Lei nº 14.026/2020) estabelece, até 31 de dezembro de 2033, metas de 99% de acesso à água potável e 90% de coleta e tratamento de esgoto. Contudo, o déficit histórico e a dispersão territorial impõem desafios relevantes às companhias de saneamento. Por isso, soluções modulares e descentralizadas, alinhadas à ISO 30500, podem acelerar a universalização sem depender exclusivamente de redes convencionais.

O que é a ISO 30500 e por que importa

A ISO 30500 define requisitos de segurança, desempenho e sustentabilidade para sistemas de saneamento não ligados à rede (NSSS). Em termos práticos, trata-se de unidades pré-fabricadas capazes de coletar e tratar dejetos localmente, garantindo controle de patógenos, qualidade do efluente, gestão de odores e emissões, e uso eficiente de água e energia. Dessa forma, as companhias de saneamento ganham uma referência técnica internacional para especificar, testar e validar tecnologias modulares em contextos onde a rede é economicamente inviável.

Onde a ISO 30500 se encaixa no Brasil

  • Áreas rurais e localidades dispersas: baixa densidade populacional e longas distâncias tornam redes convencionais de saneamento pouco viáveis.
  • Periferias e assentamentos informais: topografias complexas e ocupação irregular exigem soluções flexíveis e escaláveis de saneamento.
  • Equipamentos públicos isolados: escolas, postos de saúde e prédios públicos podem adotar módulos padronizados de saneamento.
  • Situações temporárias: obras, eventos e atendimentos emergenciais podem contar com unidades certificadas de saneamento.

Benefícios estratégicos para companhias de saneamento

  • Aceleração da cobertura: expansão do saneamento em paralelo à rede, encurtando prazos para a universalização.
  • Padronização e qualidade: requisitos claros de desempenho, segurança sanitária e sustentabilidade no saneamento.
  • Confiança regulatória: base técnica para diálogo com agências e para inserção em contratos de saneamento e concessões.
  • Escalabilidade e modularidade: implantação faseada, com upgrades conforme a demanda de saneamento cresce.
  • Otimização de CAPEX/OPEX: em certos contextos, menor custo total do ciclo de vida em comparação com redes extensas.

Passo a passo de implantação nas companhias

Para transformar a ISO 30500 em resultados concretos de saneamento, recomenda-se um roteiro estruturado:

  1. Diagnóstico e zoneamento técnico: mapear municípios e distritos, identificando áreas onde o saneamento modular é mais vantajoso que redes.
  2. Especificação baseada na norma: traduzir requisitos de remoção de patógenos, qualidade de efluente, odores, ruído e emissões em editais e RFPs.
  3. Seleção de fornecedores qualificados: exigir protocolos de ensaio e relatórios de desempenho compatíveis com a ISO 30500.
  4. Ensaios e validação independentes: testar protótipos e lotes-piloto em laboratórios credenciados e em campo, com métricas de saneamento monitoráveis.
  5. Integração regulatória e contratual: incluir cláusulas que reconheçam sistemas modulares certificados como equivalentes de saneamento, quando aplicável.
  6. Operação, manutenção e monitoramento: treinar equipes, estabelecer rotinas de O&M e registrar indicadores exigidos pela norma de saneamento.
  7. Escala e financiamento: planejar expansão por ondas (clusters), combinando fontes de recursos e aproveitando economias de escala no saneamento.

Requisitos técnicos essenciais (tradução em decisões práticas)

  • Controle de patógenos: adotar processos de tratamento que atinjam limites seguros, com amostragem periódica e rastreabilidade.
  • Qualidade do efluente: definir padrões-alvo compatíveis com reuso local (quando aplicável) ou lançamento seguro, garantindo rastreamento no saneamento.
  • Gestão de odores e emissões: selecionar tecnologias com barreiras efetivas, medindo desempenho e conforto do usuário.
  • Eficiência hídrica e energética: priorizar soluções de baixo consumo, avaliando LCA e custo total de propriedade no saneamento.
  • Segurança e confiabilidade: prever redundâncias, alarmes, manutenibilidade e disponibilidade mínima por contrato.

Modelagem econômica e viabilidade

Para garantir aderência ao Novo Marco do saneamento, a análise de viabilidade deve considerar:

  • TCO (Total Cost of Ownership): CAPEX, OPEX, reposições e descarte de subprodutos, além do custo de monitoramento e conformidade.
  • Fontes de financiamento: combinações de recursos públicos, privados e multilaterais, incluindo mecanismos de performance em saneamento.
  • Receitas acessórias: reuso seguro de água, recuperação de nutrientes e créditos ambientais, quando permitidos.
  • Risco e mitigação: contratos com SLAs de saneamento, garantias de performance e seguros para continuidade do serviço.

Integração com metas do Novo Marco e regionalização

A adoção da ISO 30500 deve ser incorporada aos Planos Regionais e aos contratos de saneamento como solução complementar. Assim, companhias podem:

  • Contabilizar unidades modulares conformes nas metas de cobertura de saneamento, quando reconhecidas pelo regulador.
  • Definir indicadores de qualidade e disponibilidade equivalentes aos da rede, assegurando transparência e comparabilidade no saneamento.
  • Estabelecer critérios de priorização (rural, periferias, equipamentos públicos) para ganhos rápidos de saneamento e impacto social.

Riscos comuns e como evitá-los

  • Especificações vagas: mitigar com requisitos mensuráveis e alinhados à norma, amparando fiscalização e auditoria de saneamento.
  • Falta de O&M estruturada: prever treinamentos, contratos de manutenção e peças críticas, garantindo continuidade do saneamento.
  • Baixa aceitação comunitária: conduzir comunicação social, treinamento de usuários e rotinas de limpeza e higiene vinculadas ao saneamento.
  • Integração regulatória tardia: envolver agências desde o desenho do projeto, acordando métricas, periodicidade de testes e relatórios de saneamento.

Checklist rápido para gestores

  1. Mapeou zonas prioritárias e definiu critérios de escolha rede x modular de saneamento?
  2. Transformou a ISO 30500 em requisitos claros no edital/RFP de saneamento?
  3. Planejou pilotos com validação laboratorial e em campo, incluindo indicadores de saneamento?
  4. Engajou o regulador para reconhecimento e contabilização nas metas do saneamento?
  5. Fechou plano de O&M, monitoramento e comunicação social para sustentabilidade do saneamento?
  6. Calculou TCO e fontes de financiamento, incluindo possíveis receitas acessórias de saneamento?

Impacto esperado e conclusão

Ao incorporar a ISO 30500 como alavanca estratégica, as companhias de saneamento ampliam a capacidade de atendimento, reduzem gargalos de infraestrutura e, sobretudo, aceleram a universalização com qualidade e segurança. Em síntese, a padronização técnica, somada à modularidade e ao monitoramento contínuo, cria um caminho pragmático para cumprir o Novo Marco do saneamento dentro do prazo, com melhores resultados de saúde pública e sustentabilidade.

Fontes (clique para acessar)