ALERJ discute o futuro do saneamento diante da polêmica do tamponamento de esgoto

Saneamento e o debate sobre o tamponamento de esgotos

A Comissão de Saneamento Ambiental da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) promoveu uma audiência pública para discutir denúncias de tamponamento de esgotos em edificações inadimplentes. O caso reacendeu um debate sensível no setor de saneamento: até que ponto é legítimo restringir o serviço de esgotamento sanitário como medida de cobrança?

A prática, também conhecida popularmente como “rolha de bosta”, consiste em bloquear o tubo de esgoto de imóveis devedores para interromper o descarte de efluentes. O tema envolve dimensões legais, sanitárias e éticas que afetam diretamente as companhias de saneamento, os órgãos reguladores e os usuários.

O contexto técnico e legal do tamponamento

A inadimplência no setor de saneamento tem crescido significativamente nos últimos anos, especialmente após a pandemia e as crises econômicas regionais. Segundo dados da AESBE, algumas companhias registram taxas superiores a 20% de clientes inadimplentes.

Essas empresas, responsáveis por manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, enfrentam o desafio de cobrar sem violar o princípio da continuidade do serviço essencial, previsto na Lei nº 11.445/2007, atualizada pelo Novo Marco do Saneamento (Lei nº 14.026/2020).

O problema é que o serviço de esgotamento sanitário, diferente da energia elétrica ou telefonia, não pode ser interrompido sem consequências sanitárias diretas. Por isso, o tamponamento surge como uma medida extrema e controversa: visa pressionar o pagamento, mas pode colocar em risco a saúde pública e o meio ambiente.

Os impactos e riscos para o saneamento

1. Riscos sanitários e ambientais

Bloquear o esgoto de um imóvel pode causar refluxo de efluentes, vazamentos em calçadas e contaminação do solo. Há risco de disseminação de doenças, proliferação de insetos e desconforto para vizinhos. Além disso, quando o tamponamento é mal executado, o sistema de esgotamento pode sofrer sobrecarga, afetando até imóveis vizinhos que estão adimplentes.

2. Repercussões jurídicas e regulatórias

Órgãos reguladores como a Agenersa e o Ministério Público consideram que o serviço de saneamento é essencial e não pode ser utilizado como forma coercitiva de cobrança. Projetos de lei, como o que tramita na ALERJ, propõem proibir o tamponamento, exigindo restabelecimento imediato e prevendo multas.

Contudo, do ponto de vista das companhias de saneamento, há um impasse: o prestador precisa cumprir metas de universalização e qualidade, mas depende do pagamento das tarifas para manter o sistema funcionando. A inadimplência em larga escala pode inviabilizar investimentos e comprometer a operação.

O outro lado: o dilema das companhias de saneamento

As empresas de saneamento argumentam que o tamponamento não é uma prática rotineira, mas sim um último recurso após diversas tentativas administrativas e legais de cobrança. Antes de chegar a esse ponto, normalmente são realizados:

  • Avisos e notificações formais de débito;
  • Renegociação de dívidas e parcelamentos;
  • Protesto em cartório e negativação do CPF/CNPJ;
  • Bloqueios judiciais e penhora de bens;
  • Campanhas de conscientização e mutirões de quitação.

Quando todas essas medidas falham, o tamponamento é visto por algumas concessionárias como uma forma de restaurar a disciplina contratual e reduzir a inadimplência estrutural. O problema surge quando a execução não segue critérios técnicos rigorosos ou atinge consumidores inocentes, como inquilinos ou vizinhos.

É importante destacar que o saneamento é um serviço público prestado sob risco econômico, e que cada unidade inadimplente representa perda de receita e de capacidade de investimento. Portanto, encontrar um equilíbrio entre cobrança e dignidade humana é essencial para a sustentabilidade do sistema.

Condições técnicas e mitigação para evitar danos

Quando, em algum contexto legal, o tamponamento é considerado admissível, ele deve seguir protocolos técnicos e éticos rigorosos:

  1. Diagnóstico hidráulico e de risco: Avaliar o impacto do bloqueio na rede e o risco de refluxo.
  2. Dispositivos controlados e reversíveis: Usar válvulas específicas, nunca objetos improvisados. O bloqueio deve poder ser removido em poucas horas.
  3. Monitoramento e registro: Instalar sensores e elaborar relatórios técnicos documentando cada ação.
  4. Comunicação transparente: Informar previamente o síndico ou morador, garantindo o direito de defesa.
  5. Canal emergencial de restabelecimento: Garantir que, se houver impacto sanitário, a concessionária desbloqueie imediatamente.
  6. Supervisão regulatória: Todas as ações devem ser acompanhadas ou auditadas pelo ente regulador estadual.

Essas medidas reduzem riscos e ajudam as companhias de saneamento a preservar o equilíbrio financeiro sem comprometer o direito universal ao saneamento.

Caminhos para o equilíbrio no saneamento

O desafio do setor é equilibrar cobrança eficiente e garantia de saúde pública. O debate na ALERJ pode servir como ponto de partida para um marco regulatório mais claro, que defina:

  • Critérios técnicos para qualquer tipo de restrição de serviço;
  • Mecanismos de renegociação e apoio social;
  • Instrumentos legais de recuperação de crédito sem prejudicar a população vulnerável;
  • Incentivos à adimplência, como descontos e programas sociais.

O saneamento exige sustentabilidade financeira, mas também respeito ao direito coletivo. Sem pagamento, não há expansão. Sem ética, não há confiança.

Conclusão

O tamponamento de esgotos é uma medida extrema que reflete um dilema real do saneamento brasileiro: como garantir que todos paguem por um serviço essencial sem violar direitos fundamentais. As companhias de saneamento precisam de respaldo regulatório, alternativas de cobrança e apoio do poder público para manter o equilíbrio econômico e o compromisso com a universalização.

O desafio, portanto, é construir um modelo de saneamento sustentável e justo, em que a inadimplência seja combatida com inteligência, e não com medidas que comprometam a saúde pública. A solução passa por transparência, regulação forte e empatia com as realidades sociais dos usuários.

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